São Paulo, domingo, 15 de janeiro de 1995
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Por fora

RICARDO SEMLER

A fórmula parece óbvia. Dê aos empregados uma parte do lucro e eles se interessarão mais. Consequência academicamente óbvia: a produtividade crescerá. Beleza.Pergunte às empresas e a vasta maioria dirá que está de acordo.
Então por que a participação nos lucros não consta de praticamente nenhuma constituição no mundo? E por que está inserida na nossa desde o tempo do Getúlio (1946) e até agora só foi implantada por meia dúzia de gatos pingados?
Baixou-se uma medida que põe o assunto na ordem do dia. Gente de RH se mexe e remexe. Empresas se aproveitam da mídia para dizer que dão participação nos resultados há muitos anos. Quase sempre uma meia mentira. Não é mentira completa porque ficam englobados nesta categoria os bônus de gerentes e as gratificações gerais de fim de ano.
Apressam-se, também, as empresas em classificar de participação nos resultados a anacrônica forma de pagamento por aumento de produção, que resulta de conceitos da década de vinte.
Há poucos especialistas no assunto, que comprovam: não há como provar que a participação nos lucros aumenta o resultado financeiro. É uma questão de crença filosófica.
A Fiesp nunca gostou, e desde a redação da proposta do então senador FHC, tem procurado empurrar o assunto com a barriga. Em boa parte, com razão, já que a imposição constitucional de um mecanismo de melhoria de relação capital/trabalho é um contra-senso num país livre.
Os empresários tinham o pavor, também, que viesse dos confins do Congresso uma proposta de modernidade obrigatória e insensata, aprovada por um Senado que de moderno tem quase só a gráfica.
Os sindicatos, por outro lado, sempre souberam que a participação pressupõe um mínimo de credibilidade entre patrão e empregado, o que não existe. Sabem que a contabilidade é uma arte, e não uma ciência.
Num país sério, talvez 50% dos balanços sofrem manipulação. Num país como o nosso, onde alguns grandes grupos pagam menos imposto do que boas padarias, nenhum sindicalista acreditaria num balanço tupiniquim. Com razão.
A regulamentação da lei, porém, saiu-se bem, por esforço do próprio FHC. Ela impõe muito pouco, e atende uma reivindicação dos dez ou vinte empresários que praticam a participação nos lucros: retira os encargos trabalhistas sobre as somas.
Para os empresários que pensam como o relatório da Fiesp a respeito, que diz que diminuirá o volume de recursos para o investimento, é só encheção, e estes farão tudo em seu poder para evitar o pagamento, com sucesso. Os que enxergam um pouco além da bruma procurarão aceitar a deixa para achar um caminho que os leve ao século seguinte.
A participação nos resultados é salutar. Mas não deveria ser assunto de lei. Porém, aí está. Para os que vêem nisto um desperdício de bons lucros, não há por que se preocupar –qualquer contador saberá propor dezesseis maneiras diferentes de enganar os trabalhadores.
Para os que vêem nisto uma oportunidade honesta, cabe apenas lembrar que não é diferente de compartilhar uma conta corrente com a esposa –difícil é pagar o motel em dinheiro. A transparência e a participação em todas as outras questões da empresa é fundamental.
Vale a pena, e é formato verdadeiramente moderno de administrar. Mas logo no Brasil? Bom, temos que decidir se somos um país por fora ou por dentro, e este é um teste tão bom quanto qualquer outro. Vamos torcer para que fiquemos por dentro.

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