São Paulo, domingo, 15 de janeiro de 1995
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Os desprendidos

JANIO DE FREITAS

Com grande desprendimento, o presidente Fernando Henrique Cardoso fazia saber por seu porta-voz, na segunda-feira passada, que preferia, aos 220% de aumento dos seus vencimentos, um "reajuste moderado". Era uma dupla involução do presidente, primeiro quanto ao aumento e, ainda, concedendo consideração aos artigos de sexta 6 e domingo 8 desta coluna, que, não faz tanto tempo, decidira publicamente ignorar.
Inspirado, talvez, pelo desprendimento do alto, o porta-voz e embaixador Sérgio Amaral não faltou com o seu. Desprendeu-se da verdade dos fatos e referiu-se a aumento de 148%, surrupiando 72 pontos percentuais dos 220% previstos e aqui mencionados. Também embaixador, Roberto Campos gosta de dizer que "a diplomacia é a arte da mentira", o que, naturalmente, não explica só a ele.
Como o aumento de 220%, elevando os vencimentos do presidente da "austeridade" para R$ 11.200,00 e os dos ministros do "pão-durismo" para R$ 10.130,00, não deve ser coisa relevante, a semana transcorreu sem que imprensa e TV lhe concedessem sequer uma palavrinha (o novo " Correio Braziliense" marcou-se como exceção, ao dar na semana anterior a primeira notícia sobre o aumento em estudo). Há quem suponha, pelo menos uma pessoa, que o desinteresse pelo tema se deve a uma cortina de silêncio protetor (e portanto conivente) que envolve o presidente. O leitor/ouvinte já tem sua opinião sobre a imprensa e os telejornais, e não lhe custará acrescentar a ela uma coisinha a mais, aceitando ou recusando a hipótese da cortina.
Antes que a semana acabasse, porém, lá vem "O Globo" de sexta com o assunto, e na primeira página: "Câmara e Senado fixam salário de FH em R$ 11,2 mil". A peculiaridade global da notícia trouxe de volta também o embaixador, portanto a voz do presidente: "Se houver aumento, ele espera que seja moderado".
"Se houver" e por "decisão da Câmara e do Senado", uma bela combinação de desprendimento material, já agora repelindo até mesmo o aumento "moderado", e de desprendimento dos fatos. Por aí, o presidente nada tem a ver com o aumento. Nem os seus ministros de confiança pessoal. Só têm a ver com a farsa que procuram montar para iludir a opinião pública, entupida de deliberações arrochantes para quem não decide os próprios vencimentos, nem usufrui das mordomias faraônicas.
Nas reuniões de representantes de Fernando Henrique, da Câmara, do Senado e do Supremo Tribunal Federal, os do Congresso fixaram em R$ 10.130,00 os novos vencimentos dos parlamentares. Como os ministros do governo e os do STF seriam equiparados aos parlamentares, os representantes dos altos magistrados e de Fernando Henrique aderiram à proposta. E foram os de Fernando Henrique que então estabeleceram os vencimentos presidenciais de R$ 11.200,00, com aumento de 220%. O acordo foi fechado. E quem quiser que ache, mas não aconselho, que um acordo destes foi feito sem o conhecimento do próprio Fernando Henrique.
No mais, é silêncio ou farsa. E um certo azar, porque, violando o silêncio, a farsa dificilmente impedirá alguma redução – "moderada", embora –nos valores do acordo.

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