São Paulo, domingo, 15 de janeiro de 1995
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Crise nas Bolsas e racionalidade dos agentes

ÁLVARO ANTÔNIO ZINI JR.

"Tome cuidado, senhorio; aqueles vultos lá não são gigantes mas moinhos de vento..."
Miguel de Cervantes ("Don Quixote de la Mancha")

As oscilações nas Bolsas de Valores chamaram a atenção nas últimas semanas por não se deverem a fatos internos ao país. Mas a violência das variações parece curiosa para os que acreditam que o mercado é governado puramente pela racionalidade dos agentes.
Os pensadores econômicos conceberam, por volta do fim do século 19, um ser hipotético, o chamado "ser econômico racional", para poder analisar, de forma simplificada, o comportamento econômico dos agentes, obtendo algum poder preditivo.
A idéia do agente racional baseia-se em duas noções.
Primeiro, que na esfera econômica cada agente toma decisões baseado no seu interesse próprio. O que é o "interesse próprio" varia: alguns agentes pensando apenas no seu bem-estar material, outros, no bem-estar de sua prole além do seu, outros ainda no bem-estar dos demais que estão à sua volta.
A segunda é a idéia de que os agentes fazem escolhas com consistência. Isto é, se você gosta mais das músicas do Caetano do que do Gil, mais do Gil do que do Djavan e tiver que comprar só um disco entre o Caetano e o Djavan, você preferirá o primeiro.
Essas duas noções implicam que cada agente sabe identificar bem suas preferências, sabe ordená-las, mantém consistência no ordenamento e, para dados períodos do tempo, mantém esse mapeamento estável.
Juntando neste ser hipotético a idéia de que todos conhecem como a economia funciona, dispõem de informação e raciocinam olhando para o futuro, chegou-se à noção mais forte das expectativas racionais. Uma implicação desta tese é que os agentes não repetem os erros do passado.
Mas, neste caso, vendo-se a súbita crise cambial do México e os soluços das Bolsas de Valores, verificamos uma repetição do erro de acreditar que daria para manter um déficit em conta corrente por muito tempo. Assim, parece que a noção "racionalidade" deixa a desejar.
A compreensão desta limitação e o desejo de buscar explicações mais realistas é hoje um dos temas de ponta da pesquisa econômica. O trabalho pioneiro nesta área começou, nos anos 50, com Herbert Simon, da Universidade de Carnegie-Mellon e ganhador de um Nobel de economia.
Simon formulou a noção de "racionalidade sob limites". Uma vez que nem todo mundo tem acesso a boas informações e que para se obter informação e interpretá-la existem custos, os agentes só podem ser racionais dentro de limites dados. Mas esta idéia ficou meio dormente.
Coube a George Akerlof o estudo das implicações da racionalidade limitada na macroeconomia. Em 1982, ele apontou que a maioria dos agentes adotam regras práticas simplificadas para tomar decisões.
Por exemplo, se você tem que decidir onde vai investir seu dinheiro no fim do mês, você, normalmente, não passa uma tarde inteira levantando todas as informações disponíveis, listando as possibilidades sobre eventos prováveis nos próximos meses e avaliando a evolução da economia internacional antes de aplicar seu dinheiro.
Geralmente, faz-se uma avaliação meio simplificada que, na maioria das vezes, leva a resultados aceitáveis, sugerindo que o tempo e a energia necessários para melhorar o resultado não valeriam a pena. A esse comportamento deu-se o nome de "quase-racionalidade".
Mas Akerlof deu um passo adicional, mostrando que os agentes são "quase-racionais", adotam comportamentos imitativos e seguem ondas coletivas. A consequência é que respondem muito diferentemente a políticas econômicas do que se possuíssem expectativas racionais.
Este tipo de percepção está sendo objeto de muita pesquisa, destacando-se os estudos de Richard Thaler, da Universidade de Cornell; Peter Diamond, do MIT; e Kevin Murphy, de Chicago.
Por exemplo, um dos aspectos que Akerlof apontou é que a maioria das pessoas se deixa levar pela ilusão monetária. "Ilusão monetária" quer dizer que as pessoas confundem valores nominais com valores reais. A conclusão de Akerlof é que muito da eficácia da política macroeconômica depende deste fator.
A queda da inflação no Brasil serve para ilustrar a ilusão monetária. Tenho encontrado muita gente (inclusive economistas) se queixando que hoje as aplicações financeiras estão rendendo muito pouco (mesmo que em termos reais estejam tendo um bom rendimento).
Outro aspecto, apontado por David Hirschleifer, da Universidade do Michigan, é que seguir o comportamento da multidão (ou o "instinto de rebanho") pode levar a situações de bolha especulativa. Mas, sob certas circunstâncias, isto pode ser "racional".
Ondas especulativas crescem quando muitas pessoas passam a tomar decisão na mesma direção. Por exemplo, comprar ações. Essas decisões são tomadas, via de regra, com quantidade limitada de informação.
Um dia, uma informação nova surge e causa um súbito aumento da incerteza, deflagrando uma drástica parada no processo. Aí, a bolha estoura. Só que cada um acreditava que ia sair do mercado antes que isto acontecesse.
Há diversos aspectos interessantes que as pesquisas na teoria da quase-racionalidade dos agentes vêm levantando. Por exemplo, há bons argumentos de que para vencer o consumismo e elevar a taxa de poupança, alguns esquemas de poupança compulsória (especialmente os vinculados a investimentos habitacionais) podem ser plenamente racionais.
Estes estudos ainda estão em plena ebulição e vai demorar algum tempo para serem incorporados na teoria econômica. No entanto, já conseguiram dois feitos: reabilitaram a respeitabilidade das políticas macroeconômicas e mostraram que fatos como bolhas especulativas, conformismo a normas sociais irracionais, etc. são explicáveis.
Mas ainda falta um bom caminho para se ter teorias de como evitar sobressaltos tão fortes, quando as evidências já apontavam que a situação iria estourar. Como no México, só depois do telhado cair é que muitos viram que ele iria cair mesmo!
Em junturas como esta é que se pode separar os economistas que dão o alerta a tempo e os que sempre gostam de repetir os bordões de agrado do poder do momento.

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