São Paulo, domingo, 15 de janeiro de 1995
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Lucro inflacionário é renda?

IVES GANDRA DA SILVA MARTINS

A medida provisória nº 812/94 recoloca a discussão da juridicidade do denominado lucro inflacionário e a possibilidade de ser tributado sem sua realização efetiva.
O processo inflacionário no país terminou por obrigar o legislador a adotar uma legislação adequada a corrigir as distorções provocadas pela corrosão do valor nominal da moeda na quantificação do Imposto de Renda exigido em espaço temporal diverso do nascimento da obrigação tributária.
Talvez nenhum país do mundo tenha elaborado leis tão complexas e minuciosas para corrigir tais distorções como o Brasil, ao ponto de a mais importante entidade de direito tributário do mundo (International Fiscal Association – IFA) ter pedido a Gilberto de Ulhôa Canto e a mim para coordenarmos livro sobre os ajustamentos decorrentes da inflação, para distribuição entre os 137 países filiados ("Monetary Indexation in Brazil" – International Bureau of Fiscal Documentation, Amsterdan).
O Congresso Internacional da IFA de 1984 –a entidade organiza todos os anos um congresso mundial, alternando-o entre a Europa e um outro continente– foi inclusive dedicado a tal matéria, tendo seu painel central (um dia de discussão) sido voltado à correção monetária e aos ajustes tributários.
Dos cinco conferencistas convidados, a minha exposição do sistema brasileiro foi aquela que provocou o mais amplo debate, por ser o Brasil o país com a maior experiência na matéria, tendo sido, após, em livro, publicadas as cinco exposições, pela Kluver Lax and Taxation Publishers, com o título "Adjustments for tax purposes in Highly inflacionary economies".
O que de relevante há para se lembrar deste congresso histórico foi a conclusão dos participantes (Comunidade Européia, FMI, Bird, Banco Mundial etc.), de que nenhum sistema era tão engenhoso como o brasileiro e nenhum tão realimentador da inflação como o nosso.
Por isso é de louvar a MP 812/94, introduzindo em boa hora a gradual desindexação fiscal, visto que, não assegurada, ainda, a vitória sobre a inflação, permanecem mecanismos corretivos menos drásticos, que podem desaparecer tão logo vencida a batalha, sem que se gerem distorções e injustiças.
No que concerne ao lucro inflacionário, todavia, isto é, aquele lucro gerado pela inflação, a questão que se recoloca está na legalidade da cobrança de Imposto de Renda sobre o lucro não realizado e que, na intenção originária dos seus criadores, deveria ser diferido até sua efetiva realização, visto que não representa, tal lucro, uma aquisição de disponibilidade econômica.
Numa simplificação –infelizmente todas as simplificações são mutiladoras–, o lucro inflacionário resulta em uma conta credora da correção monetária decorrente de um ativo permanente superior ao patrimônio líquido, representando, tal diferencial, lucro obtido por força do processo inflacionário.
Desta forma, uma empresa que tenha ativo permanente superior ao seu patrimônio líquido deveria pagar o Imposto de Renda sobre o diferencial acrescido ao seu lucro efetivo, nada obstante carecesse de liquidez para fazê-lo. Por esta razão, originariamente, o diferimento se justificava até que a liquidez surgisse.
Uma empresa que tenha bens imobilizados e não os possa vender, mesmo que tenha lucro inflacionário, não terá recursos para pagar o Imposto de Renda, a não ser que se desfaça de seu patrimônio, dificultando sua operacionalidade ou financiando o pagamento do tributo, com redução de seu capital de giro.
Sempre entendi que, determinando o Código Tributário Nacional, em seu artigo 43, que o fato gerador do Imposto de Renda é a aquisição da disponibilidade econômica, o lucro só ocorre na realização do capital ou da renda, isto é, quando da venda dos bens ativados.
Já o Tribunal Federal de Recursos (hoje STJ) decidiu, com o aval do STF (recurso extraordinário não conhecido), que "nota promissória pro soluto" é mera potencialidade de aquisição de disponibilidade econômica, mas não é ainda a própria aquisição de disponibilidade, de tal forma que só no recebimento do prometido pagamento a renda se realiza.
Creio que a matéria mereceria ser rediscutida. Lucro inflacionário sem realização dos recursos e sem liquidez não constitui ainda aquisição de disponibilidade, mas potencial de aquisição e, portanto, a técnica do diferimento para a realização deveria ser sempre a regra.
Com a eliminação da inflação, os efeitos das contas de correção monetária (credora e devedora) deverão desaparecer e este "quasimodo" corretivo, que é o lucro inflacionário, passará a ser reminiscência histórica.
O certo, todavia, é que, até lá, seus efeitos serão danosos sobre o capital das empresas, o que, talvez, as levará a uma reengenharia de seu perfil tributário ou à simples discussão judicial sobre o conceito de aquisição de disponibilidade econômica como fato gerador do imposto sobre a renda.

Texto Anterior: Separação de corpos; Atropelado na saída; Pé direito; Compra-se agência; No atacado; Céu congestionado; Viagens no Natal; Melhor desempenho; Oportunidade de emprego
Próximo Texto: Mandado de Segurança; Programas de computador; Zelador - horas extras; Rescisão - saldo negativo; Propaganda no exterior; Gases industriais; ICMS
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.