São Paulo, domingo, 15 de janeiro de 1995
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Dois melancólicos e um irônico

DA REDAÇÃO

Nos últimos anos de sua vida o poeta espanhol Federico García Lorca (1898-1936) buscou uma expressão literária mais afinada com a sua sexualidade. Embora em grande parte de sua obra se possa desentranhar uma linguagem simbólica capaz de traduzir seu homossexualismo, foi através de um conjunto de três obras –"Diván de Tamarit", "Sonetos do Amor Obscuro" e a peça teatral,"O Público"– que as referências começaram a perder sua opacidade. Boa parte destes textos só veio a luz ao longo das duas últimas décadas. O fraseado lírico marcadamente barroco, lastreado na leitura de Don Luís de Góngora (presente em todos os poetas da geração de 27) aparece, curiosamente, mesclado com a simplicidade da composição árabe-mourisca das "gazelas" e das "casidas".
Num primeiro momento, a problemática homossexual da poesia do sevilhano Luis Cernuda (1902-1963) sinalizava para uma solução estilística próxima da de Lorca. No entanto, a leitura do conjunto de sua obra, reunida sob o significativo título de "A Realidade e o Desejo", revela uma trajetória capaz de se reconciliar com sua sexualidade. Segundo Octavio Paz, no longo ensaio que dedicou à poesia de Cernuda, ela é uma biografia espiritual e moral. Talvez justamente por isso a leitura de André Gide tenha sido decisiva para conformar a sua experiência poética. Nos últimos livros, há séries inteiras dedicadas à questão, caso do belíssimo "Poemas para um corpo". De qualquer modo, na poesia espanhola moderna, a homossexualidade nunca perde esta obscuridade tão característica do barroco espanhol e que se funde e se confunde com as grandes vertentes da poesia moderna deste século.
O contraste com a obra de Jean Cocteau (1889-1963) pode ser interessante. A melancolia dos espanhóis é substituída pela ironia do poeta francês, a obscuridade andaluza se transforma em preciosismo mundano. Apesar de Cocteau, desde o início, colocar a problemática sexual como um dos eixos centrais de sua obra, ela não alcança literariamente a densidade poética dos espanhóis. O que não empana o brilho do genial ensaísta e cineasta.

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