São Paulo, domingo, 15 de janeiro de 1995
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Brasileiros não toleram críticas

MICHAEL KEPP
ESPECIAL PARA A FOLHA

"Quem pediu sua opinião?" Esta é a reação previsível a uma crítica vinda de um "forasteiro" no mundo inteiro. Mas os brasileiros tem uma tolerância ainda menor para com as opiniões pouco lisonjeiras sobre seu país feitas por gringos, principalmente americanos.
O governo tem usado, desde os anos militares, uma lei proibindo estrangeiros no Brasil a opinar sobre assuntos internos, para desencorajar de brazilianistas (quase todos americanos) a jornalistas.
A mídia local é igualmente hipersensível a essas mesmas críticas quando vêm dos jornalistas gringos. A mídia presta pouca atenção ao que o jornal "Clarin" da Argentina escreve sobre o Brasil, mas supervaloriza o que jornais americanos e europeus importantes escrevem. A expressão "Deu no New York Times" é o melhor exemplo disto.
Supervalorizar uma opinião de um forasteiro implica em menosprezar a sua própria. E isso leva à baixa auto-estima. O "pavio curto" brasileiro em relação às críticas gringas é um sintoma defensivo, fruto desta baixa auto-estima.
Este mecanismo faz parte da relação de amor e ódio que o Brasil tem com os países ricos, especialmente os Estados Unidos. Muitos brasileiros, com inveja e fascínio da superioridade técnica e econômica destes países, sentem-se inferiores. Então, eles se defendem.
Estes mesmos brasileiros também têm ressentimentos por se sentirem divididos entre os próprios valores culturais (anarquismo em relação às leis; não levar o tempo muito a sério) e aqueles impostos pelos países ricos (conformismo às leis; "o tempo é dinheiro"). Estar nessa balança é uma situação dura de assimilar. O ressentimento dessas imposições culturais leva a reações exageradas às críticas desses países.
O nacionalismo brasileiro (e latino), "yankees go home" (americanos, voltem para casa), é um exemplo desta reação. Este nacionalismo deslocado explica porque os brasileiros criticaram tão asperamente Tom Jobim e Carmen Miranda por se terem "americanizado". Só porque eles queriam um público e um salário maior e uma ocasional mudança de endereço.
Ironicamente, Ayrton Senna, que também morava fora, escapou destes ataques porque venceu seus competidores gringos no próprio jogo "high-tech" deles. As vitórias dele não só aumentavam a auto-estima nacional como mostravam que assimilar valores gringos pode valer a pena.
No final, o "pavio curto" brasileiro só prejudica. Impede que o brasileiro veja outros países e suas culturas como espelhos para melhor enxergar o seu. Foi só depois do sucesso lá fora do Tom Jobim, Carmen Miranda, Chico Mendes, Sebastião Salgado e Nana Vasconcellos, entre outros, que eles foram reconhecidos aqui.
Brasileiros, em vez de ser hipersensíveis às críticas gringas, deveriam ser mais seletivos nas escolhas de quais delas ouvir. Alguns estrangeiros, há muito tempo por aqui, entendem muito bem a frase do Jobim: "O Brasil não é para principiantes."
Estes residentes aculturados são mais cuidadosos do que os recém-chegados em não desfilar os preconceitos étnicos como se fossem verdades absolutas.
Porque estes residentes estão sempre numa corda bamba entre dois países, a tendência é que as críticas deles reflitam uma distância comedida, um ponto de vista mais equilibrado e, por isso, mais informado.
Decidi anos atrás que não podia me livrar de todos meus preconceitos contra o Brasil, da mesma maneira que não podia me livrar do meu sotaque americano. Quando me conscientizei disso, eu tentei fazer as pazes com minha ótica forasteira. E decidi usá-la de espelho para este país onde convivo poder se olhar melhor.
Espelhos nem sempre são lisonjeiros. Sabendo disso, preciso ter mais paciência com o próximo "Quem-pediu-sua-opinião?"

Texto Anterior: Tennessee Williams terá biografia em duas partes; Val Kilmer será bandido perseguido por Al Pacino; Peça sobre Vreeland tem estréia este mês; Katharine Hepburn ganha prêmio por sua carreira; Isabella Rossellini está em vídeo de Dave Stewart
Próximo Texto: Muito além da "Curva do Sino"
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.