São Paulo, domingo, 15 de janeiro de 1995
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Escritoras sofrem mais

MARCELO REZENDE
DA REDAÇÃO

Para o psiquiatra americano Arnold M. Ludwig, do Departamento de Psiquiatria da Universidade do Kentucky, sul dos Estados Unidos, a relação entre criatividade e loucura é mais do que uma afetação romântica. Ao menos com escritoras.
Esse é o tema de "Doenças Mentais e Atividades Criativas em Escritoras", pesquisa realizada por Ludwig e publicada no mês de novembro do ano passado no "The American Journal of Psychiatry".
Com o objetivo de tentar encontrar uma ligação entre a psicopatologia e a criatividade em um grupo de escritoras, Ludwig isolou dois grupos: 59 mulheres (participantes de uma conferência nacional de escritoras no Kentucky) e um outro grupo de mesmo número, mas com mulheres que não pudessem ser qualificadas de escritoras.
O resultado (veja quadro ao lado) indica um número acentuadamente maior de casos de depressão, tentativas de suicídio, mania, ataques de pânico ou fobia no grupo de escritoras.
As respostas foram obtidas através de questionários e entrevistas feitas com mulheres dos dois grupos, mostrando que os altos índices de desordens emocionais em escritoras sugerem uma relação entre criatividade e seus distúrbios.
Mas, para Ludwig, o termo "escritoras" não pode ser tomado em seu senso comum. Como ele mesmo explicou por telefone, em entrevista à Folha de sua casa no Kentucky: "Minha pesquisa qualifica como escritora qualquer pessoa que chama a si mesma de escritora. Em meu grupo de trabalho poderiam ser encontradas amadoras ou profissionais, e não apenas o que usualmente se entende como alguém que escreve poesia e ficção. Nesse caso o alcance é bem maior. Uma jornalista poderia ser qualificada de escritora em minha pesquisa".
Um dos distúrbios de maior número entre as escritoras, no trabalho de Ludwig, é a depressão clínica. Este é um dos males usualmente relacionados à genialidade de algumas autoras, como a inglesa Virginia Wolf (autora de "Orlando" e "As Ondas"), que acabou se matando em uma de suas crises.
Ela é apenas um dos incontáveis casos relacionados especificamente a esse mal. E que ajudou também a alimentar a visão da genialidade relacionada à literatura e, em seu extremo, a loucura: "Depressão é certamente a maneira mais comum de se responder a um problema como a rejeição, que caminha sempre próximo da criação. Mas meu trabalho não visa descobrir por que as pessoas passam por determinados problemas emocionais, mas sim se as pessoas envolvidas com o ato de escrever, no caso as escritoras, têm mais probabilidade de passarem por situações desse tipo".
A intenção de Ludwig é tentar varrer uma concepção que faça da loucura uma experiência radical da linguagem e assim tentar estabelecer de forma científica a existência de um vínculo possível.
Mais uma vez, trata-se de uma confrontação com a idéia romântica de criatividade e loucura, presente até mesmo entre as escritoras. Ou em uma chamada "classe artística", de uma forma geral. "Certamente entre escritoras existe essa visão romântica delas mesmas. O objeto de minha pesquisa não é estabelecer uma relação simples entre duas causas (criatividade e loucura), mas estabelecer uma base científica para isso."
Seu próximo trabalho, um livro a ser lançado em março nos EUA, investiga, mais uma vez, a relação entre trabalho e distúrbios mentais. O livro, com o título "O Preço da Grandeza", analisará 18 profissões e as psicopatologias relacionadas a elas.
Dessa vez Ludwig avançará em sua pesquisa, não permanecendo apenas nas categorias que se referem a um caráter criativo. Diferentemente de seu primeiro estudo, não trabalhará apenas com grupos de mulheres.
Sua idéia é um trabalho com os dois sexos, além de não tratar apenas com anônimos. Mas estudando também casos de figuras famosas e a relação com o trabalho.

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