São Paulo, domingo, 15 de janeiro de 1995
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Ortodoxia teimosa pode levar ao caos

GILSON SCHWARTZ
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

Em reunião recente para discutir sua política de juros o Fed, banco central dos EUA, foi palco de debates encarniçados a ponto de se divulgar a existência desses conflitos entre os seus membros.
O desemprego vem caindo e a confiança dos consumidores aumenta. Más notícias para autoridades monetárias preocupadas com o aumento da inflação que, teoricamente, resultaria do aquecimento excessivo da atividade econômica. Contra a inflação potencial, ou seja, contra possíveis excessos de produção, investimento e consumo, o remédio seria tão infalível quanto simples: elevar os juros.
Ao longo de 1994 essa lógica ortodoxa prevaleceu seis vezes seguidas. Entre outros efeitos, provocou a retração dos investidores em mercados emergentes, complicando a situação de países que apostavam na entrada de capitais, como México e Argentina. Na semana passada, no auge da vertigem mexicana, o presidente do Fed voltou a falar em subir os juros em 1995. Em 1982, aliás, a crise da dívida veio também na esteira de altas de juros por parte do banco central norte-americano.
Diante da insistente teimosia do Fed, ou pelo menos da sua ala ortodoxa, levanta-se um número crescente de vozes. Há uma lista respeitável de argumentos tentando mostrar que a elevação da taxa de juros pode ser inútil ou até produzir efeitos opostos ao desejado, que é o controle da inflação.
James D. Robinson 3º, ex-executivo chefe da American Express, alerta na revista "Foreign Affairs" de outubro passado para a mais importante mudança estrutural ocorrida nas últimas décadas, a chamada globalização.
No caso da economia norte-americana, a abertura da economia é de tal ordem que o excesso de demanda, suposto, temido ou previsto, nunca se materializa.
Simplesmente se transfere o crescimento da demanda por bens e serviços para o resto do mundo, sob a forma de importações. Ou seja, o crescimento econômico passa a ter menos efeitos inflacionários. O outro lado da moeda é a diminuição na economia dos EUA do efeito multiplicador de empregos tradicionalmente associado ao crescimento econômico.
O paradoxo resultante de uma política de juros altos que ignora essa mudança estrutural é terrível. Quando a economia dá sinais de crescer com vigor, o Fed eleva as taxas de juros para evitar os impactos inflacionários imaginados.
Na prática, a inflação não vem porque a economia é mais aberta. Mas os juros elevados impedem a expansão dos investimentos.
Sem investimentos, a capacidade produtiva não cresce. Ou seja, a oferta de bens e serviços não acompanha o crescimento da demanda. O resultado, ao longo do tempo, é elevação dos custos financeiros e déficit comercial crônico. Para evitar a desvalorização do dólar, o Fed eleva os juros e reforça o círculo vicioso.
A conclusão é aterradora: o principal banco central do mundo pode estar perseguindo cegamente uma meta com o instrumento errado e, de quebra, levando o caos a economias que até segunda ordem sentiam-se em condições de se incorporar numa parceria panamericana. Os protestos contra o Nafta que já se ouve no Capitólio são apenas a ponta de um iceberg que agora se começa a vislumbrar.

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