São Paulo, domingo, 15 de janeiro de 1995
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Os efeitos da crise mexicana na América Latina

A crise mexicana pode acelerar e precipitar o refluxo generalizado de capitais no continente
ROBERTO FRENKEL
Em seu primeiro discurso depois da crise mexicana, o presidente daquele país, Ernesto Zedillo, formulou de forma simples o melhor diagnóstico da situação: "Não prestamos suficiente atenção ao déficit externo", disse. A observação não poderia ser mais certa.
Salvo raríssimas exceções, os economistas mexicanos consideravam que o crescente déficit de conta corrente não merecia atenção particular. Como fundamento desta percepção, alguns mencionavam o superávit fiscal e as reformas estruturais, matizados ocasionalmente com referências ao enfoque monetário do balanço de pagamentos.
Outros, de orientação mais prática, citavam a relação especial, comercial e política, estabelecida com os Estados Unidos e reforçada em abril de 1994 pela assinatura dos acordos de "swap" com esse país e o Canadá, por US$ 6,7 bilhões.
Os fatos demonstraram uma vez mais que não há armação institucional nem sinais, por mais bem desenhadas que sejam, que possam compensar a fragilidade intrínseca do setor externo.
Na Argentina, o diagnóstico de Zedillo é tão inquietante que foi ignorado. É compreensível. Neste país todas as apostas estão colocadas sobre outro sinal: a Lei de Conversibilidade, que fixa o tipo de câmbio e determina a base monetária em função das reservas.
Sobre este ponto se apóia todo o esforço do governo argentino de demonstrar que a economia do país é diferente. Na realidade, as políticas cambiais e monetárias da Argentina e México pré-crise eram mais parecidas que diferentes, particularmente quando comparadas com outros regimes vigentes na região.
Poderia dizer-se que o regime argentino é a versão extrema do que vigorava no México, com as bandas prefixadas fundindo-se em um só valor. Certo é, entretanto, que o Banco Central mexicano gozava de maior grau de liberdade, que utilizou no último ano para auxiliar o sistema financeiro frente à contração das reservas e à liquidez geradas pelo déficit do balanço de pagamentos.
O governo argentino se esforça por deixar claro que a lei naquele país não permite que se faça algo parecido, apostando que este sinal extremo afaste uma eventual corrida cambial. É o que está por ver-se.
De todas as maneiras, com corrida ou sem ela, o regime cambial argentino assegura que uma entrada de capital insuficiente para cobrir o déficit de contas correntes terá seu efeito pleno sobre a liquidez, a atividade e a estabilidade do sistema financeiro.
Este efeito é independente da dolarização do sistema, porque a Argentina não pode financiar importações ou pagamentos de serviços internacionais com "argendólares" emitidos pelos bancos locais. Se há déficit de balanço de pagamentos, contrai-se a base monetária de todo o sistema financeiro, em pesos ou "argendólares".
A aposta argentina é convencer os investidores que o país não pode desvalorizar e não desvalorizará, com a esperança de que este sinal mantenha por si só os necessários influxos de capital. Isto parece pouco provável, como comentamos na continuação, mas também está por ver-se.
A crise mexicana foi um dos sintomas do que vem acontecendo desde fevereiro de 1994, quando começaram a elevar-se as taxas de juros. Desde então os fluxos de capital para os mercados emergentes diminuíram e os preços dos títulos e valores latino-americanos caíram mais que os de seus homólogos norte-americanos.
Este movimento generalizado foi uma primeira indicação de "comportamento de manada". Então, a cadeia se rompeu pelo lado mais fraco; a crise mexicana autoconfirma a profecia dos mercados e pode operar como sinal adicional para acelerar e precipitar o refluxo generalizado de capitais.
Um exemplo notável deste tipo de comportamento se deu em 1982, quando a extensão do racionamento de crédito bancário a toda a região deixou sem financiamento voluntário países solventes como a Colômbia, enquanto continuou o financiamento voluntário às Filipinas, que ostentava condições similares às piores dívidas latino-americanas.
Outra alternativa é que nesta oportunidade os inversores sejam mais seletivos do que os bancos nos anos 80. Se a fragilidade externa é um dos critérios a ter-se em conta, os capitais externos serão mais escassos onde são mais necessários. De qualquer maneira, parece seguro que o processo iniciado em princípio de 1994 se acentuará de agora em diante. Mas não afetará a todos por igual.
Seu efeito diferencial depende das estruturas dos setores externos, por um lado, e das políticas econômicas, por outro, ainda que, como veremos, ambas tendam a estar correlacionadas.
Argentina e México foram os casos de maior adaptação e maior dependência dos fluxos maciços de capital que ingressaram na região e em outros "mercados emergentes", desde 1990/91. Adaptaram passivamente a estes fluxos a estrutura de seu setor externo e seus preços relativos e, consequentemente, também em boa medida sua estrutura produtiva.
Outros países, como por exemplo, Chile e Colômbia, entraram nos anos 90 com um setor externo mais ou menos robusto porque não haviam ajustado nos anos 80, antes dos ingressos maciços de capital. Esses países tiveram políticas cambiais, monetárias e financeiras diferentes: não sem importantes dificuldades, tentaram defender seus tipos de câmbio real e suas exportações.
O Brasil foi um caso singular. Também contava, como Chile e Colômbia, com um setor externo mais ou menos auto-suficiente e também tendeu a defender, em 90, objetivos de tipo de câmbio real, mas a instabilidade implicou menores ingressos relativos de capital e políticas econômicas mais determinadas por sua dinâmica doméstica.
O México está agora em pleno processo de redefinição de suas políticas e a Argentina joga na persistência das políticas já definidas.
Na Colômbia e no Chile, as regras são suficientemente flexíveis para adaptar as políticas à condições de influxo de capital significativamente menores aos recentes e seus processos de desenvolvimento poderiam até resultar beneficiados por menores ingressos de capital financeiro.
No Brasil, na alvorada do programa de estabilização, as novas condições devem ser seguramente um dado importante na definição de regras de política cambial e monetária mais permanentes.

ROBERTO FRENKEL, economista, é diretor do Centro de Estudos do Estado e da Sociedade (Cedes), professor titular da Universidade Nacional de La Plata e professor do mestrado em política econômica da Faculdade de Ciências Econômicas da Universidade de Buenos Aires.

Tradução de Claudia Rossi

Texto Anterior: NARCISO DO ROCK; POR QUE ME UFANO; POR QUE ME IRRITO; POR QUE ME ESCONDO
Próximo Texto: Dialogar é preciso
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.