São Paulo, domingo, 15 de janeiro de 1995
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Dialogar é preciso

JAVIER ZÚÑIGA

A Anistia Internacional lamenta o artigo do embaixador Paulo Tarso Flecha de Lima sobre esta entidade e outras organizações internacionais de direitos humanos ("Responder é preciso", Tendências/Debates, 9/01/95).
Seu injustificado ataque parece querer voltar a um passado sombrio e não muito distante de relações entre o governo brasileiro e a comunidade internacional de direitos humanos, ao qual temos certeza que o governo do embaixador não teria interesse em retroceder.
Em seu artigo, o embaixador cita uma coletiva de imprensa em Washington D.C. (EUA), onde a Anistia Internacional lançou o documento "Américas: o Continente Onde Queremos Viver". Longe de ser a expressão de uma mentalidade neocolonial, aquele texto fez parte de uma iniciativa conjunta das seções da entidade nas Américas e cobriu preocupações com todos os países da região, entre os quais, evidentemente, os Estados Unidos.
O documento foi preparado para que a recente Cúpula das Américas incluísse os direitos humanos como prioridade nas agendas dos governos americanos nos próximos dez anos. Constatamos com alegria que o "plano de ação" afinal produzido pela cúpula contém uma seção sobre direitos humanos, que a delegação brasileira tratou de incluir e melhorar.
Quanto ao Brasil, o documento apenas declarou o que tem sido reconhecido por diversos estudos oficiais brasileiros, ou seja, que "nos subúrbios das cidades e metrópoles do país, centenas de jovens e adultos, em sua maioria dos setores mais pobres da população, são mortos ou 'desaparecidos' pela polícia ou por 'esquadrões da morte' frequentemente integrados por policiais fora de serviço".
A Anistia sustenta suas palavras, destacando a impunidade que é da essência dos problemas de direitos humanos no país. No espírito da transparência que tem caracterizado a diplomacia brasileira nos últimos anos, em 3 de novembro de 1993 o então chanceler Celso Amorim identificou a impunidade no Brasil como "um obstáculo básico ao sucesso de qualquer política dirigida a uma melhora dos direitos humanos". Concordamos plenamente com essa conclusão.
Ao contrário do que pretende o embaixador Flecha de Lima, a Anistia tem tomado o especial cuidado tanto de documentar as violações de direitos humanos como de reconhecer as medidas adotadas pelo governo brasileiro para tratar dos problemas que temos repetidamente documentado. Infelizmente, contudo, nossas pesquisas indicam que essas estimulantes medidas ainda não conseguiram resolver tais problemas.
Em setembro de 1994, a Anistia Internacional apresentou ao governo brasileiro e aos candidatos à Presidência da República o documento "Além da Desesperança –Um Programa Para os Direitos Humanos no Brasil", com recomendações que, acreditamos, poderiam conduzir a melhoras substantivas.
Nesse mesmo espírito esperamos nos engajar em um diálogo positivo com os novos governos federal e estaduais. Continuaremos a acompanhar a situação dos direitos humanos no Brasil, a chamar a atenção para violações graves e a fazer sugestões construtivas às autoridades competentes.

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