São Paulo, segunda-feira, 16 de janeiro de 1995
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Conservadorismo orienta produção indiana

LÚCIA NAGIB
ENVIADA ESPECIAL A BOMBAIM

O fenômeno cinematográfico na Índia nada tem a ver com avanço tecnológico. Isto ficou patente para os que visitaram, durante o festival de cinema em Bombaim, a "Film City" –instalações de estúdio onde são realizadas as "grandes produções" indianas.
A razão surpreendente que tem mantido de pé uma produção de cerca 700 filmes por ano em condições tão pobres talvez seja o conservadorismo. É evidente que o apego aos costumes alimenta a ligação dos indianos com a cinematografia local. Além disso, até há dois anos, a Índia permaneceu quase imune à modernização ocidental graças a uma rígida legislação restritiva às importações.
Tudo, porém, tende a mudar agora com a abertura do mercado, conforme afirmou, em entrevista à Folha, o Secretário do Ministério da Informação e das Comunicões da Índia, Bhaskar Ghose. Como muitos outros analistas, Ghose se assusta com o sucesso massivo obtido recentemente por filmes como "Parque dos Dinossauros", "Aladdin" e "Velocidade Máxima", exibidos em versões dubladas em hindi.
É que antes deles os filmes ocidentais eram exibidos com legendas, o que restringia seu acesso aos alfabetizados e não abalava a posição soberana do cinema indiano. Alterada essa relação, Hollywood ameaça agora se apossar dos estúdios e de cadeias exibidoras inteiras na Índia.
Ghose comenta esse contexto, sem deixar de defender o conservadorismo e até mesmo a censura, que, segundo ele, protege os valores tradicionais indianos.

Folha - O sucesso do cinema na Índia não se deve em parte à dificuldade de acesso à televisão?
Bhaskar Ghose - As cifras que temos mostram que cerca de 240 milhões, numa população de quase 900 milhões, têm acesso à televisão, portanto quase um terço da população. Os outros dois terços não possuem televisores, mas não se pode afirmar que "não tenham acesso" à TV por outros meios.
Enquanto isso, o número de cinemas decresce. Em Bombaim, como em outras cidades grandes, os cinemas estão fechando porque o terreno é muito valioso. No lugar deles, surgem lojas e supermercados.
Folha - O ingresso de cinema continua extremamente barato, mas mesmo assim parece um bom negócio para o governo.
Ghose - Para uma apresentação de gala, pode-se pagar US$ 2,5, em outra comum cerca de US$ 0,30. De qualquer maneira, a taxa cobrada pelo governo de cada Estado é elevada. Em Maharashtra, é de 50% do preço do ingresso. Em outros Estados, esta taxa chega a 110%.
Folha - Como funciona a censura no cinema?
Ghose - Sim, existe censura. A senhora precisa entender: somos um povo muito conservador. Por exemplo, talvez em seu país o beijo entre um homem e uma mulher não siginifique muito mais do que afeição ou amor. Mas na Índia trata-se de um ato inteiramente privado, não é algo presente na vida cotidiana.
Por isso quase nunca há beijos em nossos filmes, a não ser que na cena o personagem esteja morrendo ou em outra situação extrema.
Folha - Se o diretor ousar encenar um beijo, será censurado?
Ghose - Ele mostrará os personagens se aproximando e de repente aparece uma flor diante deles ou algo assim... Problema mais frequentes ocorrem com filmes que usam sequências de música e dança, que do ponto de vista técnico e coreográfico são absolutamente soberbas.
Mas às vezes trazem gestos sugestivos, que não são pornográficos ou obscenos, mas simplesmente de mau gosto. É isto que os censores tratam de eliminar.
Alguns dizem que somos repressivos: não somos repressivos, apenas defendemos nossos valores. É preciso lembrar que não aplicamos essas regras aos filmes ocidentais, nos quais não censuramos os beijos. Neste festival, por exemplo, todos os filmes estão passando livremente.
Folha - Mas "Instinto Selvagem" está passando no circuito comercial com cortes...
Ghose - Apenas em breves momentos, por exemplo, quando aparecem pêlos púbicos. De resto, está tudo ali. Nós respeitamos o fato de que os ocidentais têm seus próprios padrões.

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