São Paulo, terça-feira, 17 de janeiro de 1995
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Policial francês é despretensioso e divertido

FERNANDA SCALZO
DA REPORTAGEM LOCAL

"O Paraíso dos Ogros", que a editora Rocco lança no início de fevereiro, é uma parte da tetralogia sobre a família Malaussène, escrita pelo francês Daniel Pennac. Os Malaussènes são especiais: a mãe aparece de tempos em tempos para depositar em casa mais um membro da família. Benjamin, o irmão mais velho, cuida dos outros como se fosse o pai. Os pais de verdade são muitos e importam pouco.
O segundo volume da tetralogia foi lançado pela Imago há quatro anos: "A Fada Carabina"; o terceiro, "A Pequena Vendedora de Prosa", ainda não saiu no Brasil, e o quarto o escritor está terminando agora e deve ser publicado na França em maio.
"Não tem problema, podem ser lidos em qualquer ordem", disse Daniel Pennac sobre os livros de sua tetralogia. São romances bem-humorados e divertidos que fizeram um "boom" entre adolescentes e adultos na França.
Em 1992, o ensaio "Como um Romance" (também lançado no Brasil pela Rocco em 1993) vendeu 117 mil exemplares e fez Pennac se tornar uma mania nacional.
Pennac diz que procura escrever todos os dias e divide seu tempo entre suas obras e as aulas numa escola de 2º grau em Paris, de onde falou à Folha por telefone.
Ambientado no grande magazine onde trabalha Benjamin, "O Paraíso dos Ogros" leva o leitor por prateleiras de roupas, ferramentas e todos os tipos de artigos, atrás de bombas que explodem misteriosamente na loja. "Acho que um grande magazine é um universo inteiro em um só lugar. Encontra-se tudo lá, inclusive a feitiçaria", diz Pennac.
E não é sem surpresa que o leitor vai encontrar nas páginas de "O Paraíso dos Ogros" frases que foram escritas em português no original e que se referem a Iemanjá, a Ney Matogrosso e a outras feitiçarias do Brasil. Pennac viveu dois anos em Fortaleza, no começo da década de 80.
Diz que aprendeu com os brasileiros "a imensidão, a paciência e a saudade". "Tenho imenso prazer em pensar que sou lido pelos brasileiros. Me sinto voltando para casa. Uma parte de mim que volta", diz.
Imagem do Brasil
Em dado momento da história, a casa dos Malaussènes é invadida por um bando de amigos especiais: travestis brasileiros que ganham a vida no Bois de Boulogne (uma espécie de parque do Ibirapuera parisiense, famoso por seus frequentadores brasileiros à noite).
Esta não parece a melhor imagem do Brasil que se pode ter num romance francês, mas Pennac justifica: "O Bois de Boulogne é a terrível realidade parisiense. Mas a imagem do Brasil começa quando os travestis começam a falar e nesse momento não são mais travestis. São poetas que se põem a falar com a família Mallaussène, que começam a brincar com eles. São seres extraordinários, poetas formidáveis."
Francês nascido em Casablanca, no Marrocos, Pennac, 50, diz que vive "um conflito permanente entre o candomblé e Auguste Compte".
Sobre o sucesso de seus livros, Pennac fala como um brasileiro e recusa a famosa sociologia francesa: "Não sei. Pode-se imaginar todo tipo de coisa. É difícil fazer a sociologia do sucesso de um livro. É muito misterioso. Tento não analisar isso. Sou um pouco superticioso sobre esse assunto."
Daniel Pennac já escreveu vários livros para crianças e dois ensaios. Além de terminar sua tetralogia diz que pretende tentar escrever peças de teatro. "O ato de escrever é para mim um ato quase sensual, é da ordem do prazer. O que não impede que o que se escreve faça sentido e que se possa dizer coisas sérias", diz.
Também é com prazer que o leitor segue as aventuras da família Mallaussène, tipo de literatura bem-feita e despretensiosa em falta no Brasil. Benjamin e suas irmãs Louna, Thérèse, Clara, e os irmãos Jérémy e Guri, além do cachorro Julius, formam uma turma simpática, capaz de distrair p leitor por mais de um romance.
Mas o escritor defende seus livros da pecha de literatura de entretenimento: "Não acredito que exista um tipo de literatura que seja puro divertimento, ou distração. Há o tom, a voz do autor, que pode ser alegre e fazer passar muita seriedade e sentido. É uma escolha que fiz nesta série dos Malaussènes: um tom bastante alegre para dizer coisas mais sérias."
Mas, de fato, diverte.

Livro: O Paraíso dos Ogros
Autor: Daniel Pennac
Tradução: Maria Helena Franco Martins
Lançamento: fevereiro

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