São Paulo, terça-feira, 17 de janeiro de 1995
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

CDs mostram Sinatra na época da guerra

RUY CASTRO
ESPECIAL PARA A FOLHA

Diante da caixa "Frank Sinatra: The V-Discs, 1943-1952", que a Sony/Columbia acaba de lançar nos Estados Unidos e já à venda em importadoras de São Paulo e Rio, alguns poderão perguntar: "Mas não é a raspa do tacho?". Afinal, a mesma Sony soltara há pouco "Sinatra - The Columbia Years, 1943–1952", com quase trezentas gravações de Sinatra em estúdio naquele período, numa caixa de madeira com 12 CDs (burramente lançados no Brasil em CDs avulsos).
Mas os "V-Discs" estão longe de ser raspa do tacho. Nesta caixa, com as faixas em dois CDs e mais um precioso livreto, estão os discos gravados por Sinatra para circular apenas entre soldados americanos na Europa durante a Segunda Guerra: os lendários "V-discs" (o V era de vitória). Não se confundem com os outros e, em muitos casos, até os superam.
Foram os primeiros discos prensados em vinil, embora continuassem girando a 78 r.p.m., para ser tocados pelos soldados em vitrolinhas em barracas, hospitais e talvez até nas trincheiras. Destinavam-se a fazer com que os rapazes se lembrassem do país que tinham deixado para trás e lutassem com ainda mais disposição.
Mas não eram propaganda de guerra explícita –só música popular, e de primeira. Todos os cantores, "band-leaders" e músicos que não foram à guerra fizeram "V-discs" de graça, sabendo que não seriam comercializados.
Um outro fato contribuiu para amplificar a importância daqueles discos: nos anos de 1943 a 1944, o sindicato dos músicos americanos decretara uma greve contra as gravadoras. Durante dois anos, nenhum instrumentista pôde gravar comercialmente –donde, em seus discos comerciais do período, Sinatra (e todos os cantores da época) cantava a capela ou era acompanhado por coros e conjuntos vocais, não atingidos pela greve.
Só que a greve não se estendia aos "V-discs", porque os músicos não eram pagos –e eles aceitavam gostosamente a idéia de gravar de graça para os soldados porque, longe do mercado, sentiam que estavam perdendo público. Com isso, os "V-discs" tornaram-se os únicos registros de grande parte da música popular americana naqueles dois anos.
No fim da guerra, em 1945, os soldados levaram as bolachas de volta para os EUA e milhares delas circularam entre os paisanos. Nas décadas seguintes, muitas acabaram comercializadas em edições piratas, com a pior qualidade possível. Foi preciso que a Columbia (em cujos estúdios a maioria fora gravada) pusesse ordem na casa, recuperando a sonoridade dos originais e lançando-os numa edição digna como esta.
Devido às pressões daqueles tempos de guerra, muitas faixas da coleção foram gravadas diretamente de programas de rádio de Sinatra, que autorizou seu aproveitamento em "V-discs". O auditório era instruído a não fazer ruídos durante a interpretação de Sinatra e a contar até dez antes de aplaudir. Donde tiravam-se faixas perfeitas em termos de som e com o calor do "ao vivo".
Era pela chegada desses discos à Europa que os soldados americanos ansiavam. Enquanto as caixas que os continham não eram desembarcadas do avião, eles iam ao front matar uns alemães e voltavam correndo para as barracas a fim de ouvir Sinatra e suspirar.

Título: Frank Sinatra - The V-Discs (caixa com dois CDs e livreto de 36 páginas)
Gravadora: Sony/Columbia
Onde encontrar: Gramophone (São Paulo e Rio), Bookmakers (Rio)

Texto Anterior: Marsalis faz auto-retrato com bom humor
Próximo Texto: Caixa contém faixas nunca comercializadas
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.