São Paulo, quinta-feira, 19 de janeiro de 1995
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Cineasta indiano analisa crise da sociedade

LÚCIA NAGIB
ENVIADA ESPECIAL A BOMBAIM

Shyam Benegal, 60, ao lado de Mrinal Sen, é o mais consagrado cineasta vivo da Índia. Sua principal proeza foi conseguir grande popularidade com um cinema independente, de baixo orçamento e de marcado caráter político. É que Benegal, embora tenha inaugurado o assim chamado "Novo Cinema Indiano" nos anos 70, nunca abandonou as técnicas narrativas convencionais e não adotou o ritmo lento e meditativo de Sen ou Satyajit Ray.
Em entrevista à Folha, Benegal deu detalhes sobre "Mammo", estendendo-se sobre os acontecimentos que vêm abalando a estrutura social indiana.

Folha - Você se considera o líder do "Novo Cinema Indiano"?
Shyam Benegal - No cinema hindi, a "new wave" veio com a minha geração, e talvez eu tenha sido seu iniciador. Meu filme "Ankur" (1974) abriu caminho para que muitas pessoas passassem a fazer filmes em hindi. Porque havia Satyajit Ray e Mrinal Sen, de Calcutá, fazendo filmes em bengali, Girish Karnad e B.V. Karanth, em kannada, Adoor Gopalakrishnan, em malayalam, mas ninguém filmando em hindi.
Folha - Seu último filme, "Mammo", trata de relações familiares, tema predileto do cinema indiano desde o início. Quais as mudanças na estrutura familiar indiana que justificam a retomada do tema?
Benegal - A estrutura familiar vem se modificando nos últimos 30 anos. A família tradicional é abrangente, todos os parentes moram juntos, numa mesma casa, ou em casas vizinhas. Mas, agora, a família está se fragmentando em unidades nucleares. A família era a sociedade primordial, e sua quebra transformou-se no fato mais traumático da vida na Índia, o que se manifesta na confusão das relações e das lealdades.
Folha - Há uma maioria na Índia, que é a população analfabeta. Como é o sentimento de pertencer a uma minoria instruída?
Benegal - É um sentimento ambivalente. Num nível, gostando ou não, pertencemos à elite do país e gozamos de uma série de privilégios. Por outro lado, tendemos a perder nossos vínculos.
O analfabetismo não é tão simples. Os 60% de iletrados da nossa sociedade não são desprovidos de instrução. É um outro tipo de instrução. É inexato dizer que os 60% de iletrados não são instruídos. Em seu universo tradicional, têm mais habilidade de lidar com a vida do que nós. Mas têm, evidentemente, uma habilidade restrita no mundo letrado ou "moderno".
Folha - Qual seria a solução para o problema?
Benegal - A solução também é uma faca de dois gumes. É o paradigma do desenvolvimento, determinado pelos EUA e a Europa ocidental. Temos que adaptar 60% da população a esse paradigma, seja ele bom ou ruim. Nosso patrimônio cultural irá se perder, e a pergunta é se devíamos perdê-lo.

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