São Paulo, quinta-feira, 19 de janeiro de 1995
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Reação mostra unidade nacional do Japão

STEVEN BRULL
DO INTERNATIONAL HERALD TRIBUNE, EM TÓQUIO

Em qualquer lugar do mundo os desastres tendem a trazer à tona um sentimento comunitário local. Mas a reação dos japoneses ao terremoto da terça-feira revela até que ponto essa nação de 124 milhões de pessoas conserva um sentimento de unidade nacional.
Nos abrigos para desalojados perto de Kobe, famílias que perderam casas e parentes cuidavam de seus afazeres com ordem e perseverança. Sobreviventes desabrigados faziam filas para receber comida e água e dormiam enfileirados em locais superlotados.
Embora haja crescente insatisfação com o despreparo para um desastre desse tipo e pela demora no resgate, não se via recriminações azedas nem a presença de advogados oportunistas.
"Ainda é cedo para críticas, mas é útil ouvir os especialistas", declarou Sadatomo Matsudaira, âncora da NHK. "Precisamos repensar o planejamento das cidades".
Seja onde for que uma tragédia aconteça, a imprensa trata o incidente como se fosse um acontecimento local. Desde o terremoto, a rede semi-pública NHK vem dedicando quase todo as emissões de rádio e televisão à difusão de notícias relacionadas ao terremoto.
Mas muitas das mensagens difundidas numa emissão nacional eram de natureza pessoal, geralmente simples pedidos para pessoas que ficaram incomunicáveis contatarem amigos e parentes.
Mesmo nos mercados financeiros, investidores deram mostras de respeito, abstendo-se de fazer aquisições mercenárias de ações de construtoras ou de vender as ações de seguradoras que enfrentam o pagamento de indenizações.
"Alguns investidores disseram que não queriam comprar e vender num dia como este", disse Paul Migliorato, da Jardine Fleming.
Bancos japoneses, lutando para livrar-se de bilhões de dólares em empréstimos de baixo retorno resultantes do colapso da economia-bolha dos anos 80, fizeram doações. O Daiwa e o Banco Industrial do Japão doaram cerca de US$ 1 milhão; o Fuji ofereceu US$ 500 mil. Sakura, Sumitomo e Sanwa doaram US$ 1 milhão.
É possível que o sentimento de uma perda compartilhada renda dividendos políticos importantes ao premiê Tomiichi Murayama, líder de uma conturbada coalizão de socialistas e democratas liberais.
Pouco depois do terremoto sacudir o país, um grupo de 24 socialistas congelou suas iniciativas em direção à saída do partido.
Os crescentes pedidos de melhoria do preparo nacional para terremotos podem representar um grande impulso a Murayama, fornecendo munição necessária para arrancar dezenas de bilhões de dólares do Ministério das Finanças, notoriamente avesso a gastos.
Não há dúvida de que a opinião pública poderá facilmente voltar-se contra o governo. Na quarta-feira os jornais nacionais criticaram os administradores do sistema de proteção contra terremotos, que haviam induzido a nação a um senso de segurança infundado.
"Temos de reconhecer francamente que as estruturas urbanas que acreditávamos ser resistentes a terremotos eram, na realidade, frágeis", disse o "Asahi Shimbun".
Mas os limites às críticas no Japão se evidenciaram quando o governador de Osaka afirmou que os hóspedes de um centro para desabrigados eram preguiçosos.
"Deveriam cozinhar suas próprias refeições, mas não têm a força de vontade necessária para isso", disse Kazuo Nakagawa, 68, a uma reunião de funcionários.
A mídia não demorou a difundir seus comentários, mas pouco depois seu porta-voz procurou amenizá-los, dizendo que a intenção do governador havia sido enfatizar a importância das pessoas se ajudarem umas às outras.

Tradução de Clara Allain

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