São Paulo, quinta-feira, 19 de janeiro de 1995
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Goethe se deliciou com os templos da ilha

JOHANN WOLFGANG GOETHE; MARCO GIANNOTTI
ESPECIAL PARA A FOLHA

Em 1788, Johann Wolfgang Goethe deixa a corte de Weimar para empreender a tão sonhada viagem à Itália. O itinerário buscava a Antiguidade clássica, paradigma da civilização para os intelectuais da época.
Entretanto, foi lá que ele descobriu a pintura do Renascimento. A sua pesquisa sobre as cores surgiu do contato com essas pinturas. De Verona a Veneza, de Bolonha a Roma, de Nápoles a Palermo: Goethe percorreu a Itália de ponta a ponta. A viagem durou cerca de dois anos. Em 1828 ele publica o diário dessa aventura. Leia a seguir trechos do diário:
JOHANN WOLFGANG GOETHE

Agrigento, terça-feira, 24 de abril de 1787. Nunca, durante a vida inteira, tivemos uma primavera tão magnífica como a que apareceu hoje com o nascer do sol. Sobre a alta e antiga colina se encontra a Agrigento atual, tendo um perímetro grande o suficiente para conter uma população. Da nossa janela vemos o declive sutil, longo e extenso da cidade antiga repleto de jardins e vinhas; sobre todo esse verde não se percebe mais os traços dos quarteirões populosos de outrora. Somente ao entardecer pode se observar o templo da Concórdia despontar dessa superfície verdejante e florescente. A oeste se encontram as ruínas escassas do templo de Juno. As ruínas que restam dos outros edifícios sagrados, que estão na mesma linha dos já mencionados templos, não podem ser vistas do alto, somente quando se caminha ao sul em direção à praia, que se estende ainda a uma distância de meia hora até se chegar ao mar. (...)

Quinta-feira, 25 de abril. O templo da Concórdia resiste a tantos séculos, sua arquitetura elegante o aproxima do nosso critério do belo e agradável. Ele está para o templo de Paestum como uma figura divina frente a um gigante. Não gostaria de ter de deplorar o fato de que a tarefa tão louvável de conservar o monumento tenha sido executada com tamanha falta de gosto, quando preencheram as falhas com um gesso branco e brilhante, fazendo com que o monumento pareça aos nossos olhos de certo modo arruinado. Como teria sido fácil dar ao gesso a cor da pedra decomposta! Vendo como o calcário se fragmenta nas paredes e colunas é de se espantar como tenha resistido tanto. Embora os construtores, esperançosos de uma posteridade que o mantivesse igual, tomaram algumas providências: ainda se encontram resíduos de uma fina camada de cal, que é ao mesmo tempo agradável aos olhos e garante a sua conservação.
A próxima parada foi nas ruínas do templo de Júpiter. Este está espalhado como uma carcaça de um enorme esqueleto, a parte interna e inferior com várias pequenas áreas entrecortadas por cercas e cobertas por plantas altas e rasteiras. Tudo é formado por esses escombros, a não ser um tríglifo (ornato arquitetônico em um friso de ordem dórica, e que consta de três sulcos) e um fragmento de coluna da mesma proporção. Tentei medi-lo com braços abertos sem conseguir contê-lo: quanto à caneladura da coluna pode-se ter uma noção quando se está de pé, encobrindo-a como se fosse um nicho, tocando-a com ambos os ombros. Vinte e um homens lado a lado formando um círculo fariam aproximadamente a circunferência na tal coluna. Nos despedimos com a sensação desagradável de que não há nada que um desenhista possa fazer aqui.

Tradução de MARCO GIANNOTTI, 27, artista plástico e tradutor de "A Doutrina das Cores" (Ars Poetica), de Goethe.

Texto Anterior: Mar é atração em Eraclea
Próximo Texto: Cozinha siciliana criou o espaguete
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.