São Paulo, sexta-feira, 20 de janeiro de 1995
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Lembre-se do México

LUIZ PINGUELLI ROSA

Consta que os imperadores romanos, ou os generais vencedores, ao entrarem em Roma à frente de seus séquitos, levavam junto a si um escravo a repetir "lembre-se que é um mortal", para que não se inebriassem demais com o poder e a glória. Vale dizer isso ao presidente Fernando Henrique e aos seus ministros, tamanha foi a louvação da imprensa, de empresários, de políticos, alguns da oposição e até do PT.
O discurso de posse do presidente foi bom para os defensores dos interesses nacionais e decepcionou os liberais, ao contrário do discurso anterior no Senado, que foi bom para estes e desagradou aos primeiros.
Usando imagem de artigo que publiquei aqui, FHC foi igual a JQ no Senado e a JK na posse. Mas, logo depois, as declarações de alguns ministros estragaram a boa impressão deixada pelo estilo JK do presidente e voltaram ao de JQ. Atacaram universidades e hospitais públicos, sob protesto do ministro Adib Jatene. Foram contra aumentar o salário mínimo e as aposentadorias, enquanto seus próprios salários eram muito aumentados.
Com os novos parlamentares eleitos, os antigos senadores foram pressionados pela equipe econômica e aprovaram, no apagar das luzes, o projeto de lei de concessões de serviços públicos, como denunciei em artigo na Folha em dezembro.
O projeto, agora lei, trata em pé de igualdade linhas de ônibus, cemitérios e usinas hidrelétricas que valem bilhões de dólares. Suspende as concessões de empresas públicas de energia elétrica para licitá-las e privatizá-las sem qualquer regulamentação, em conflito com os governos estaduais. Estranhamente, excluiu as concessões de rádio e TV. Por quê?
Participei de um grupo de trabalho na universidade, com técnicos de energia, recebido pelo vice-presidente Marco Maciel. Entregamos um estudo com sugestões para uma política energética.
Sugerimos a participação privada em parcerias na expansão do setor elétrico, ao invés da venda de usinas acabadas ou de concessionárias, como a Light no Rio e a Escelsa no Espírito Santo.
Criticamos a aprovação, no apagar das luzes da legislatura, de uma lei contra o interesse público. Havia o projeto do senador Teotônio Vilela Filho para regulamentar o setor elétrico, abandonado.
O projeto original, do próprio Fernando Henrique quando senador, foi desfigurado pelo substitutivo do deputado José Carlos Aleluia, ligado ao ex-governador Antônio Carlos Magalhães. Há em jogo interesses de grupos que querem comprar usinas amortizadas. Se forem privatizadas a um preço justo, aumentarão demais as tarifas, restando ao governo praticamente doá-las na privatização. Mesmo assim, as tarifas serão oneradas.
Independentemente, o próprio presidente da Eletrobrás, José Luiz Alqueres, da confiança do presidente da República e do PSDB, fez uma carta contundente ao senador José Fogaça, relator do projeto de lei das concessões. Pediu exoneração, gerando uma crise no setor elétrico federal, estranhamente abafada pela imprensa.
Apontou os absurdos do projeto e a insuficiência da medida provisória elaborada sob orientação do atual secretário da Presidência da República, Eduardo Jorge, para corrigi-lo. Se ele é ruim, por que o aprovaram para depois corrigi-lo por medida provisória cujo teor não se conhece?
No fundo, o objetivo é a venda das empresas elétricas para fazer caixa em função do plano econômico. Texto recente do Ipea sobre "Desestatização" cita (pág. 15) "o sucesso...do México"! Apesar da quebra do México e do pânico da Argentina, ambos seguindo o mesmo modelo, o governo insiste no erro. Também lá atrelaram a moeda ao dólar, liberaram importações e venderam estatais. Acumulou-se enorme déficit comercial.
Aqui, os economistas do governo disseram ser este de US$ 47 milhões em dezembro, mas agora sabe-se ter sido US$ 884 milhões. Um pequeno erro! É preciso ter, ao contrário de Sarney no Plano Cruzado, a coragem de corrigir o Plano Real, para preservar a moeda sem atrelar o futuro do Brasil ao "hot money" que vai embora como vem.
Ao invés disso, os economistas neoliberais advogam acelerar as privatizações no setor elétrico. É como se um motorista, vendo o carro da frente despencar no abismo, acelerasse na mesma direção, ao invés de frear e desviar. Lembra uma piada italiana sobre o antigo PCI: ninguém pode ser, ao mesmo tempo, inteligente, honesto e ter esta posição!
O presidente Fernando Henrique, coerentemente com o discurso de posse, tem de evitar isso. Espero que, como os antigos romanos, alguém da equipe do presidente faça o papel de alertá-lo. O governador Mário Covas pode ajudar.
Este recado é um conselho de amigo. Não será bom para o governo desestruturar o sistema elétrico e conflitar-se com governos estaduais, aumentar muito as tarifas e reduzir a competitividade da indústria, para atender interesses de grupos e corporações privados.
Ademais, o problema é socialmente explosivo. No interior do Pará, houve um quebra-quebra no início do ano porque a empresa elétrica cortou a luz de uma comunidade que não pagava a conta.
O ministro Pedro Malan disse que no Brasil não há os Chiapas do México. Esqueceu-se das tropas do Exército no Rio cercando favelas.

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