São Paulo, sexta-feira, 20 de janeiro de 1995
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Um caso de ética

SÍLVIO LANCELLOTTI

A Justiça italiana cometeu um grave erro de ética, ou talvez mesmo de direito, ao permitir a divulgação dos depoimentos de um criminoso contumaz, agora um informante policial, num processo que envolve o tráfico de cocaína em Nápoles.
Tais depoimentos, tomados secretamente, distribuíram um terrível bombardeio de denúncias contra uma dúzia de jogadores do Napoli e envolveram, ainda, personagens que nem na Velha Bota nasceram e lá não vivem mais.
Caso do brasileiro Antonio de Oliveira Filho, na arte da bola Careca, ex-Guarani e ex-São Paulo, atualmente no Japão. Eu não tocaria em seu nome neste artigo, não houvesse Careca respondido publicamente às acusações com uma frase que exibe a sua tranquilidade e o seu bom humor: "No máximo, eu gosto é de uma cervejinha".
O velhaco dedo-duro, em busca de uma pena menor por seus crimes, ironicamente está solto, ao alcance dos meios de comunicação. Trata-se de um camorrista de nome Pietro Pugliese. Camorrista, para quem não sabe, é o integrante da gangue organizada que, desafortunadamente, inferniza a gente e a paz da Campânia.
Livre sob fiança e sob palavra, em troca do máximo possível de acusações, o dedo-duro foi advertido pelos procuradores do caso, Luigi Gay e Luigi Bobbio, para não emitir nenhuma opinião a respeito do processo, antes do seu julgamento final.
Inútil aviso. Mal saiu do tribunal de Nápoles, o camorrista procurou um telefone e, através da agência ANSA, espalhou nos ventiladores do mundo a sua porcaria.
Não quero, neste espaço, negar abruptamente a hipótese da ligação de jogadores de futebol com a estupidez da cocaína. Sabe-se, por exemplo, que na celebração do bi do Napoli, em 1990, num convés do navio Angelina Lauro, havia, num banheiro, um pote razoável do pó maldito, à espera dos seus tolos consumidores.
A mim mortifica, porém, a generalização das denúncias que, pelos seus ricochetes, atingiram Careca e outros craques, como Salvatore Bagni e Ciro Ferrara, de moral limpíssima.
Naqueles mesmos idos, pouco além, Bagni perdeu um filho, não mais de bebê, decapitado num acidente de automóvel. Meses depois, a Camorra, infamemente, surrupiou do cemitério o caixãozinho do garoto –e nunca mais o devolveu à família.
Com certeza, a justiça da Itália ainda vai identificar todos os culpados verdadeiros. De nada vale, no entanto, a procura da Lei quando a palavra de um bandido vira manchete e macula o caráter de ídolos saudáveis do esporte e da luta antidrogas.

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