São Paulo, sexta-feira, 20 de janeiro de 1995
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Teste para FHC

A aprovação da espúria anistia a parlamentares delinquentes pelo Congresso coloca o presidente Fernando Henrique Cardoso diante de uma escolha altamente simbólica, um verdadeiro teste para o caráter do novo governo.
A alternativa é clara e não admite tonalidades intermediárias ou soluções de compromisso: ou o presidente veta a proposta e impede a concretização de um escândalo, ou então torna-se cúmplice do vergonhoso ardil do Congresso. Ou mostra que seu governo pode representar alguma mudança qualitativa na política nacional ou se assume como uma mera continuidade na triste tradição do Estado brasileiro, ainda que com novo verniz.
É certo que a questão inclui considerações reais quanto à base parlamentar do governo. Essa, contudo, tem sido a justificativa para concessões de toda sorte e para o mercadejo miúdo que sempre se viu no país. Resistir a essa lógica é exatamente o que pode diferenciar esta gestão de suas antecessoras.
Quanto ao Parlamento, o (auto)golpe já está dado. Por mais que os brasileiros estejam calejados quanto a despropósitos dos legisladores, por mais previsível que fosse a aprovação da anistia, a imagem do Congresso sai ainda mais arranhada dessa desavergonhada exibição de legislação em causa própria.
Desavergonhada em termos, aliás, já que a aprovação pelo Senado se deu na calada da noite, por votação simbólica –mecanismo pusilânime que dispensa os senadores de explicitarem sua aprovação. Eduardo Suplicy (PT-SP) foi o único a se levantar contra a anistia.
Já na Câmara, 110 deputados repudiaram o projeto. O problema é que a conduta da maioria contamina todo o Congresso –inquietantemente confundindo a credibilidade de uma instituição essencial para a democracia com a daqueles parlamentares mais preocupados com seus interesses do que com os da população. Pesquisa Datafolha realizada em São Paulo revela o grau de repúdio à anistia.
As atenções assim voltam-se agora para o presidente. FHC já disse que o corporativismo é um dos maiores desafios do país hoje. Dificilmente poderia haver exemplo mais escancarado desse problema do que a anistia. Ótima chance então para o governo mostrar a que veio, para provar se é mesmo diferente como se pretende. Ou não.

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