São Paulo, sexta-feira, 20 de janeiro de 1995
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Comédia de erros

Em menos de três semanas no poder, o novo governo já foi capaz de cometer uma grande trapalhada que chega até mesmo a lançar dúvidas sobre a seriedade dos atuais administradores e sobre o futuro do Plano Real. Trata-se da sucessão de equívocos que marcou a divulgação dos números do déficit comercial de novembro e de dezembro.
É comum que números relativos a uma economia continental como a brasileira cheguem muito lentamente às mãos das autoridades. Assim, é normal que essas cifras sejam estimadas e depois revistas à luz dos dados definitivos. Mas, quando a diferença entre o estimado e o número final é da ordem de 1.780%, como no caso do déficit de dezembro (inicialmente previsto em US$ 47 milhões, mas que na realidade foi de US$ 884 milhões), fica a suspeita de manipulação. Afinal, mesmo a mais rematada incompetência teria dificuldades para produzir valores tão díspares.
E essa suspeita se agrava quando se recorda que a estimativa foi feita quando o Brasil sentia de forma mais aguda a turbulência causada pela crise mexicana. Tem-se aqui uma razão para o crime.
Se a divulgação do número inverídico foi capaz evitar uma fuga de capitais na ocasião, os efeitos perversos da manobra já se fazem sentir. A Bolsa de Valores de São Paulo caiu ontem quase 7%, em parte devido ao anúncio dos números finais do déficit. O Brasil foi motivo de piadas nos mercados financeiros internacionais. E, muito mais grave, começam a surgir dúvidas quanto aos métodos da atual gestão.
Dessas dúvidas surge um processo de perda de credibilidade interna e externa que pode criar dificuldades desnecessárias na já árdua rota da estabilização da economia.
O principal pilar do presidente Fernando Henrique Cardoso é a sua credibilidade, a convicção até há pouco firme de que os métodos de ação do governo mudariam, ficariam mais sérios, mais profissionais. É essa imagem que sai arranhada dessa triste comédia de erros envolvendo o governo.

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