São Paulo, sexta-feira, 20 de janeiro de 1995
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Viver faz mal a saúde

CARLOS HEITOR CONY

RIO DE JANEIRO – Nesta mesma página, em crônicas de Clóvis Rossi, Gilberto Dimenstein e Hélio Schwartsman, foi discutida a malignidade do fumo –guindado a besta-negra preferencial de médicos, pacientes e interessados na saúde do povo e no bem-estar da sociedade.
Ninguém me pediu a opinião, mas vou dá-la. Li em Santo Agostinho que "a vida não é mortal: a morte é que é vital". Frase de gênio. É preciso refletir sobre ela para se chegar ao sentido da vida. Em julho, fiz complicado roteiro para passar um dia em Cartago, olhando aquelas ruínas que viram Agostinho em sua fase mais brilhante e pecadora.
Pois é isso aí. O Ministério da Saúde devia advertir que viver faz mal à saúde. Fumando ou não fumando, tal como o peru, morreremos um dia. Aliás, não há notícia de que haja tabagistas entre os perus, mesmo assim eles morrem mais cedo, pois costumam morrer na véspera.
Pessoalmente, acho que há exagero nos malefícios causados pelo fumo. Alguns organismos podem ser refratários a ele, outros nem tanto. O problema me parece social: é uma questão de educação. Quem tiver alergia ao fumo que coloque avisos em suas casas e escritórios.
O fumante deve respeitar esses avisos, como qualquer cidadão respeita o uso de traje para determinados lugares e cerimônias. Não entro em igreja de sunga e, quando acompanho algum amigo judeu à sinagoga, coloco meu kipá na cabeça.
Tive dois tios que não se davam. Um deles colocou um aviso em seu portão: "Homem de cara raspada não entra nesta casa". O outro colocara um azulejo na fachada de seu bangalô: "Proibida a entra de pessoas com bigode".
Alergia por alergia, tenho alergia ao rock, aos vascaínos de maneira geral, aos políticos de maneira particular. Fico na minha, o incomodado que se mude. Aprendi essa regra e acho que o problema do cigarro se resume nisso. Que haja divisões de território e cada um fique na sua.
Quanto ao câncer, ao enfisema, ao enfarte, eles são anteriores ao uso do fumo e serão posteriores. Viver é letal, faz mal à saúde, estraga a pele, dá brotoejas, insônia, e, em alguns casos, também faz cair os cabelos.

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