São Paulo, sexta-feira, 20 de janeiro de 1995
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Batata quente

GILBERTO DIMENSTEIN

BRASÍLIA – O presidente Fernando Henrique Cardoso ficou numa incômoda situação, capaz de fatiar seu prestígio. Para não explodir as contas do governo, ele vai vetar uma proposta popular: o aumento do salário mínimo. E, ao mesmo tempo, sancionar uma proposta vigorosamente impopular: a anistia de Humberto Lucena, presidente do Senado. Não é só.
O veto ao salário mínimo ocorre depois dos aumentos nos rendimentos do presidente, ministros e parlamentares. É até possível justificar esses reajustes. Inevitável, porém, a irritação popular para quem vive com salário mínimo. A agitada semana vai mostrando os dentes da máquina de moer carne.
O ministro José Serra viu-se obrigado a limpar do Orçamento as emendas do deputado José Serra. Isso depois de afirmar que não aceitaria emendas "paroquiais". É uma versão inusitadamente refinada de autocrítica. Pela lógica, um dos dois –o ministro ou o deputado– está mais afinado com o interesse público.
As derrotas no Congresso solidificaram no Palácio do Planalto a predisposição condenada nos palanques eleitorais: cargos serão negociados com os partidos. Isso se não quiserem levar novas bordoadas nas votações da reforma constitucional.
A área econômica vê-se cercada de desconfiança devido aos dados da balança comercial. Desfaz-se o clima de euforia, marca registrada no final do governo Itamar Franco, quando o Brasil imaginou ter entrando no Primeiro Mundo comprando bobagens pelo correio.
O governo aprovou aumento de impostos, mas teve que ceder muito mais do que gostaria. Aprovou a lei das concessões dos serviços públicos, embora desidratada por lobbies.
Nada, porém, que provoque pânico: governar é assumir desgastes.
PS – Por considerar um bom projeto pela cidadania, elogiei neste espaço o governo Mário Covas, que estabeleceu como meta o fim da reprovação escolar, trocando-a por aulas de reforços. Pela mesma lógica, sou obrigado a apontar como irresponsabilidade suspender o programa "Escola é Vida", destinado a prevenir contra o uso de droga entre os alunos. Esse tipo de assunto é, hoje, mais importante do que matemática, história ou geografia. Ninguém morre por não saber os afluentes do rio Amazonas.

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