São Paulo, sexta-feira, 20 de janeiro de 1995
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

A vergonha cruza a rua

CLÓVIS ROSSI

SÃO PAULO – Depois da vergonha representada pela aprovação da anistia ao senador Humberto Lucena e demais "sócios" da gráfica do Senado, a indecência prepara-se para atravessar a rua e invadir o Palácio do Planalto.
O presidente Fernando Henrique Cardoso vai sancionar a anistia. O argumento é de uma cretinice inominável: não se pode armar um confronto com o Congresso.
Bom, nesse caso, por que o governo anuncia que vai vetar o salário mínimo de R$ 100,00? Não foi aprovado pelo mesmo Congresso, no mesmo dia? Aí, não há confronto?
São perguntas ingênuas, caro leitor, porque esse é um jogo de cartas marcadas e que define bem o que é o Brasil. Não, não há confronto porque a aprovação do mínimo de R$ 100,00 é puro jogo de cena do Congresso ou, pelo menos, de uma boa parte dele. Deputado algum vai para a oposição ao governo se este vetar o novo mínimo, exceto aqueles que já estão na oposição.
Só há confronto, neste país, quando de ambos os lados da cerca estão os poderosos. Por isso vetar a anistia dá confronto, porque os prejudicados são alguns "pais da pátria" de grosso calibre. Vetar o mínimo, não. Os prejudicados são uns pobres-diabos só lembrados na hora de se pedir votos a eles ou lhes prometer prioridade para o social, nos discursos oficiais. Não estão no jogo.
De todo modo, já se pode ter uma primeira medição do caráter do novo governo. Quebrar a Previdência, não pode. Quebrar a decência, pode. É um critério.
Uma segunda medição vem do próprio argumento de que a Previdência quebra. Boa parte do pessoal que hoje é governo ou já o era no período Itamar ou já o foi em alguma outra gestão. Todos, inclusive os congressistas, passaram os últimos quatro anos vetando aumentos do mínimo sob o mesmo argumento de quebra da Previdência.
Por que ao menos não se ensaiou corrigir a Previdência, para liberar o mínimo? De novo, porque os beneficiários não contam no jogo. Eles podem quebrar a cara todos os dias com salários ou aposentadorias indecentes. Mas a contabilidade pública estará salva.

Texto Anterior: Batata quente
Próximo Texto: Perto de Deus, longe da Califórnia
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.