São Paulo, sábado, 21 de janeiro de 1995
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Pequena empresa e abertura econômica

GUILHERME AFIF DOMINGOS

A falência, no Brasil, do Estado patrimonialista e corporativista –patrimonialismo herdado da cultura regulamentadora-burocrática ibérica e corporativismo erguido pela ditadura getulista, durante o Estado Novo, e fortalecido pelos governos autoritários pós-64– marca o fim de um período da história contemporânea brasileira, cujas consequências poderão ser fatais para o futuro do país se não forem superadas pela ação política decisiva do Congresso Nacional, assim que o presidente Fernando Henrique Cardoso encaminhar aos congressistas, para debate e aprovação, as reformas destinadas a modernizar as estruturas política e econômica nacionais.
O patrimonialismo e o corporativismo estatais produziram distorções irreversíveis no Estado que inviabilizam completamente a sua convivência com a nova e irremediável realidade da abertura econômica, iniciada a partir de 1991.
A abertura não somente é incompatível com o Estado patrimonialista e corporativo, como também é totalmente avessa ao fruto gerado por ambos, o protecionismo, que sobreviveu e prosperou, diante de uma economia fechada e antidemocrática, graças a uma política tributária e fiscal especialmente criada para sustentá-lo, a partir da conjugação dos interesses de uma elite diretamente beneficiária do exercício do poder.
A equação patrimonialismo-corporativismo-protecionismo-elitismo econômico, mãe da burocracia e da regulamentação excessivas, criou, por sua vez, os oligopólios e os monopólios estatais e privados, que deram origem a um modelo de desenvolvimento superconcentrador de riqueza, do qual foi excluída a maioria da população dos benefícios do progresso, apesar de o Brasil ter alcançado o status de oitava economia do mundo.
Ou seja, essa equação e os seus subprodutos –os monopólios, os oligopólios e a concentração de renda– deverão dar lugar a uma nova equação –democratização, desconcentração, desregulamentação– que resultará em prioridade absoluta ao cidadão (consumidor-contribuinte), durante anos relegado ao segundo plano.
A União não deve fazer nada que os Estados possam fazer melhor. Os Estados, por sua vez, não devem fazer nada que os municípios possam executar melhor. E nem o governo nem os Estados nem os municípios devem fazer nada que o cidadão tenha condições de fazer melhor, com seu trabalho criativo.
Em síntese, essa precisa ser a linha geral a nortear uma profunda reforma do Estado brasileiro. Nesse contexto global, no qual venham, com as reformas, a prevalecer as condições que estimulem o espírito de iniciativa do cidadão, ganhará dimensão extraordinária a verdadeira força social da nossa economia, composta pelas empresas de pequeno porte, um universo de quase 4 milhões de estabelecimentos industriais, comerciais, agrícolas e de serviços, responsável por 48% do total da produção nacional, 42% dos salários pagos, 70% da oferta de mão-de-obra e cerca de 30% do Produto Interno Bruto, isso sem contar a economia informal, que poderá ser formalizada, dependendo da extensão das reformas tributária e previdenciária.
O Sebrae, consciente de sua importância no quadro político-econômico-social e institucional do país, pretende, no curto prazo, oferecer duas contribuições que julga fundamentais à saúde da conjuntura atual.
A primeira, a de criar o Estatuto das Micro e Pequenas Empresas, destinado a regulamentar o artigo 179 da Constituição, que prevê, para elas, tratamento diferenciado em relação às questões fiscal, tributária, creditícia, jurídica e trabalhista.
E a segunda, a implantação do Fundo de Aval –em parceria com os bancos oficiais de crédito– para dar suporte e garantia aos micro e pequenos empresários na tomada de recursos, no mercado financeiro, para investimentos.
Promoveremos uma grande mobilização nacional, com a colaboração dos Sebrae estaduais instalados nos 27 Estados da Federação, para debater e enriquecer nossas propostas, culminando, no final de maio, com a realização, em Brasília, no Parlamento, do Quinto Congresso Brasileiro da Pequena Empresa, a fim de que os pequenos empresários, devidamente estimulados na defesa dos seus legítimos interesses, possam encaminhar suas contribuições aos congressistas para reformar a Constituição.
O governo –financeiramente falido, impossibilitado de exercer o papel de outrora, o de ser o carro-chefe da demanda global– e as grandes empresas –prioritariamente voltadas aos investimentos em modernização tecnológica, a fim de ganhar maior competitividade no mercado globalizado– não oferecem mais o número de empregos na escala requerida pela sociedade.
Esse papel, de agora em diante, deverá ser executado pelas pequenas empresas. Daí que garantir sua multiplicação e sobrevivência tornou-se uma questão de segurança nacional. Serão elas que, fortalecidas pelas reformas, permitirão ao Brasil suportar o impacto da abertura econômica, no compasso da construção de um novo modelo de desenvolvimento com justiça social.

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