São Paulo, terça-feira, 24 de janeiro de 1995
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República das MPs

A mera lembrança dos famigerados decretos-lei basta para causar arrepios em muita gente. E com razão. Eram mecanismos que permitiam ao Executivo usurpar funções do Legislativo, rompendo os limites da separação entre os Poderes.
O que muitos cidadãos talvez não percebam é que a democracia brasileira atual contempla um instrumento que acabou degenerando, na forma, em algo quase tão autoritário quanto o decreto-lei. Trata-se da medida provisória.
Como revelou reportagem desta Folha publicada no último domingo, o país tornou-se uma verdadeira república das MPs: desde sua invenção em 1988, foram 831. A breve gestão Itamar Franco, grande adepta desse mecanismo, produziu sozinha mais dessas medidas do que Sarney e Collor juntos. E Fernando Henrique Cardoso já segue o mesmo exemplo, com 20 MPs em menos de um mês.
Por meio das MPs o Executivo governa de forma fácil, já que coloca em vigor projetos sem debate no Congresso. Fácil e pouco democrática, já que bem ou mal os parlamentares representam a população.
Por mais que uma MP tenha de ser aprovada pelo Legislativo, ela muitas vezes coloca congressistas diante de um fato consumado cuja reversão causaria transtornos consideráveis. Mais ainda, a controvertida prática da reedição faz com que o governo por vezes tenha o aberrante interesse de não ver o tema apreciado no Parlamento.
Essa distorção decorre da brecha aberta pela Constituição, que compreensivelmente criou um instrumento para ação rápida do Executivo em casos de "urgência e relevância". Na falta de uma definição precisa, o governo desvirtua o propósito da Carta com uma interpretação elástica, para dizer o menos, do que é urgente e relevante.
Note-se que não se trata de negar ao Executivo iniciativa para apresentar projetos ao Congresso nem a capacidade de adotar providências de vários tipos. Mas legislar à margem do Legislativo beira o autoritarismo, por mais "benigno" que este possa se pretender.

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