São Paulo, terça-feira, 24 de janeiro de 1995
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Os ganhadores e os perdedores do governo FHC

ODED GRAJEW

Um novo governo acaba de se instalar no Brasil, renovando as esperanças de milhões de brasileiros, daquela parte de nossa população que, apesar do descaso com que é tratada pelos governantes, não se cansa de acreditar em mudanças que possam melhorar sua vida.
Ao olharmos nossa história, podemos claramente identificar os segmentos sociais que foram beneficiados e aqueles que foram dramaticamente massacrados e humilhados pelo desemprego, baixos salários, falta de condições mínimas de habitação, saúde e educação.
Haverá mudanças? Apesar de minha torcida confesso que alguns fatos já me preocupam. Os que têm a mínima capacidade de análise, de reflexão e de crítica sabem que não existem fórmulas únicas para nenhuma política governamental. Como os recursos são limitados, há sempre uma decisão política que elege perdedores e ganhadores.
No caso por exemplo de planos de combate à inflação, experiências bem-sucedidas e duradouras em países democráticos tiveram como base de sustentação um amplo pacto social, que é e sempre foi a proposta do PNBE.
Não me sai da cabeça o que disse o ex-primeiro-ministro israelense Shimon Peres, articulador do pacto social israelense, a um grupo de empresários e sindicalistas brasileiros: "O pacto social e consequentemente o combate à inflação apenas terão êxito a longo prazo se todos sentirem que houve justiça na repartição dos ônus e dos benefícios".
No caso do Plano Real, seus formuladores, preocupados com o equilíbrio das contas públicas, cortaram verbas da saúde e da educação, o que atingiu as camadas pobres, aumentou a mortalidade infantil e a evasão escolar.
Por outro lado, o governo mantém os juros altos (os maiores juros reais do mundo), transferindo dinheiro público para rentistas nacionais e internacionais e não hesitou em destinar volumosos recursos para salvar bancos em dificuldades. A liberdade dada nos preços para se ajustar antes da entrada do real, não foi a mesma dada aos salários.
O atrelamento do real ao dólar subvalorizado, combinado com uma queda geral e indiscriminada das alíquotas de importação, sinaliza a médio prazo o sucateamento da indústria nacional e de milhões de postos de trabalho. Isto ocorreu em todos os países latino-americanos que adotaram modelos semelhantes, o que ampliou os bolsões de miséria daqueles países.
Tudo isso, combinado com grandes déficits na balança de pagamentos, torna esses países, e pode tornar o Brasil, extremamente vulneráveis e dependentes (vide México).
Outro fato preocupante são afirmações do novo presidente, elogiando seu antecessor e prometendo fazer um governo de continuidade, embora não de continuísmo. O que significa isso? Continuar tendo a segunda pior distribuição de renda do mundo, atrás apenas da Botsuana (relatório da ONU)? A terceira pior educação, atrás apenas do Haiti e Guiné-Bissau (relatório Unicef)? Uma das maiores mortalidades infantis e em ascensão? Manter um salário mínimo de miseráveis R$ 70 por mês enquanto bilhões de dólares são jogados no ralo da corrupção conforme relatório da CEI (Comissão Especial de Investigação)? Continuar a ver quatro crianças impunemente assassinadas por dia?
Milhões de brasileiros, os perdedores de sempre, querem mudanças dramáticas e rápidas. Outros, os ganhadores, na sua maioria, não querem mudar ou no máximo admitem mudanças pequenas, superficiais, pirotécnicas e que basicamente deixem as coisas como estão.
Pagam o preço investindo em sistemas de segurança e transferindo recursos ao exterior como seguro no caso do barco afundar, chamar o Exército em vez de dar saúde, educação e emprego. Preferem tentar curar os males atacando os sintomas e não as causas.
Não tenho dúvidas que para cumprir suas promessas de campanha, o novo presidente e os novos congressistas terão de fazer uma outra opção de ganhadores e perdedores. É necessário mais vontade política de mudar.
Acontece que as grandes mazelas nacionais (aumento da mortalidade infantil e da evasão escolar por exemplo) não os atingem pessoalmente. Haveria menos guerras no mundo no dia que uma lei obrigasse presidentes a se colocar, com sua família, na linha de frente de qualquer guerra declarada por eles.
Como proposta sugiro que filhos de presidente, de ministros, de deputados, de senadores, de juízes e de promotores públicos estudem em escolas públicas e sejam atendidos por hospitais e em centros de saúde públicos e tenham salários e aposentadorias indexados a um número fixo de salários mínimos (um número fixo que não avilte nossa concepção de uma razoável distribuição de renda).
Tenho certeza que então haveria um grande incremento na vontade política de resolver os problemas sociais brasileiros. Existiria esforço, cobrança, recursos e sobretudo pressa para melhorar os serviços públicos e as condições de vida de milhões de brasileiros desamparados, os perdedores de sempre.
Nesse caso seremos todos ganhadores por termos a oportunidade de nos tornarmos cidadãos de um país desenvolvido, soberano, educado, democrático, digno, justo, disputando o campeonato mundial não só de futebol, mas também do melhor ensino, da melhor saúde e da melhor distribuição de renda.

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