São Paulo, quarta-feira, 25 de janeiro de 1995
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Americanos atacam brasileiro de 50 mil anos

RICARDO BONALUME NETO
ESPECIAL PARA FOLHA

A hipótese de que o homem habita o continente americano há cerca de 50 mil anos recebeu um duro golpe.
Em um artigo publicado na revista especializada "Antiquity", três pesquisadores americanos se declaram céticos quanto aos argumentos apresentados pela equipe da brasileira Niede Guidon.
Guidon é a principal defensora da hipótese. Ela se baseia em achados no sítio arqueológico de Pedra Furada, no Piauí.
O golpe é particularmente rude porque os três não são inimigos de longa data da hipótese, aceita apenas por uma minoria da comunidade arqueológica internacional.
Ao contrário, eles também têm advogado em prol de sítios quase tão antigos nos EUA.
Os três autores são David Meltzer, da Universidade Metodista do Sul (em Dallas, Texas), James Adovasio, do Instituto Arqueológico Mercyhurst (na Pensilvânia) e Tom Dillehay, da Universidade do Kentucky, em Lexington.
Eles concluíram que a presença humana no Piauí na época pleistocena, que terminou há 10.000 anos, deve ser encarada com ceticismo, apesar de não descartada.
A prova de que "os primeiros brasileiros conhecidos" teriam morado no Piauí perto da cidade de São Raimundo Nonato se baseia principalmente em carvão e pedras.
Devido à acidez do solo local, fica difícil encontrar vestígios como ossos, madeira ou mesmo peles de animal.
O carvão seria resultado de antigas fogueiras; as pedras lascadas seriam antigas ferramentas dos homens da caverna, na interpretação de Guidon e pesquisadores como o italiano Fabio Parenti, que produziu uma alentada tese defendendo que essas pedras tenham sido usadas por homens.
Os três americanos acham que não há provas dessa ação humana. As pedras poderiam ser resultado de fatores naturais, como erosão.
Eles dizem que viram pedras "lascadas" parecidas até no refugo de solo escavado pelos arqueólogos brasileiros e europeus que ali trabalham.
Já o carvão seria resultado de incêndios na caatinga provocados por raios, por exemplo.
O artigo dos três descreve as tecnicalidades pelas quais duvidam da ação humana na produção dessas pedras, desse carvão e dos supostos restos de antigas fogueiras com pedras em torno.
Guidon disse à Folha, por telefone de seu escritório no Piauí, que ela e Parenti estão escrevendo uma réplica aos três americanos.
Por exemplo, diz ela, parte das pedras foi encontrada dentro do sítio, debaixo de uma abóbada de pedra. "Foram levadas para lá", diz ela.
Mas Guidon e Parenti irão além disso. "Se a gente fica só na falação, fica difícil", afirma ela.
Segundo a arqueóloga, Parenti está convidando arqueólogos para refazer a escavação com técnicas mais modernas –e acima de dúvidas– em uma área do sítio deixada intacta, o "testamento", no jargão da profissão.
Os trabalhos devem começar em maio próximo. "E será uma escavação independente de mim", conclui ela. Para não haver mais dúvidas ou desconfianças.

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