São Paulo, quarta-feira, 25 de janeiro de 1995
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"Assédio Sexual" põe o desejo a serviço do mal

FERNANDA SCALZO; JOSÉ GERALDO COUTO
DA REPORTAGEM LOCAL

Filme: Assédio Sexual
Produção: EUA, 1994
Direção: Barry Levinson
Elenco: Demi Moore, Michael Douglas, Donald Sutherland
Estréia: hoje nos cines Astor, Olido 2 e Center Iguatemi 2

"Assédio Sexual", baseado no best seller "Revelação", de Michael Crichton, é o mais novo thriller com apelo erótico que chega de Hollywood, na trilha de "Instinto Selvagem".
Seu enredo mistura pouco sexo, algum poder e muita tecnologia: um executivo de uma fábrica de computadores (Michael Douglas) é desbancado por uma ex-namorada (Demi Moore) num cargo de direção. Para complicar, ela o acusa dentro da firma de molestamento sexual depois de tentar seduzi-lo sem sucesso. Ele procura uma advogada e abre um processo contra ela.
O filme acompanha os meandros tanto do processo judicial sobre o suposto assédio como dos problemas tecnológicos e gerenciais da empresa.
Como "Assédio Sexual" foi evidentemente concebido para ser mais um filme-debate sobre os papéis do homem e da mulher, a Folha enviou dois críticos –um homem e uma mulher– à sessão. A crítica é o debate que se segue.

JGC - O problema maior do filme é que o erotismo acaba logo de cara. Ao contrário de "Instinto Selvagem", em que Michael Douglas e Sharon Stone passam o filme inteiro querendo comer (nos dois sentidos) um ao outro, aqui a sedução deixa de existir depois do primeiro encontro, e só o que sobra é uma guerra dos dois (Douglas e Demi Moore) pelo poder.
FS - Além disso, a dita cena erótica deixa muito a desejar. Demi Moore como mulher dominadora é um clichê assustador, literalmente. Não há nenhuma sutileza, o diretor precisa pintá-la como um demônio, para que o homem, em oposição, pareça um santo sem parecer um fraco. Ele não é vítima do próprio desejo, mas de uma ninfomaníaca enlouquecida.
JGC - Do ponto de vista do homem, a cena é inverossímil. É claro que um homem pode rejeitar o assédio de uma mulher bonita, mas haveria outros momentos e maneiras em que isso seria possível, não do jeito que está no filme. Ele já tinha cruzado o limiar entre a passividade e a ação, passando à iniciativa, quando tem uma crise moral fora de hora. Ou então é mais uma tentativa de explicação ética para uma broxada.
FS - Deve ser. Meredith, a personagem de Demi Moore, é a gostosa arrivista incompetente. Mas, para não ser ofensivo com as mulheres, há Stephanie, a executiva de tailleur, aquela que mal se vê se é homem ou mulher, de tão assexuada, competente e ética. Sem falar em Susan, a mulher de Michael Douglas, meio sem sal, mas um exemplo de compreensão maternal. Enfim, todos os clichês de mulheres desfilam no filme.
JGC - O maniqueísmo do filme está nisso: de um lado, o "mocinho" que defende a família e a firma (Douglas), assessorado pelas mulheres confiáveis; do outro lado, a louca (Moore), portadora de um desejo incontrolável e destruidor. O sexo feminino é o mal, por mais que no fim ele seja apresentado como um mero instrumento do poder masculino.
FS - As mulheres são terríveis mesmo, ainda que tudo o que façam seja pelos homens. Só não dá para entender por que esse homem objeto do desejo absoluto é sempre o Michael Douglas. Sharon Stone, Demi Moore, Glenn Close, as atrizes mais bem pagas de Hollywood se descabelam por ele. Feio, atarracado e desprovido de charme, Douglas deve representar na mente dos produtores um masoquismo inerente a toda mulher. No livro, o personagem é descrito como bonito e atlético, o que daria margem a muitas opções.
JGC - Harrison Ford, por exemplo. E a mulher, no livro, é loura. Por que não a Sharon Stone ou qualquer outra loura da moda? Por falar em moda, o filme abusa dos assuntos e imagens "do momento": assédio sexual, Crichton, Internet, realidade virtual...
FS - É, e para aquela minoria que ainda não tinha encontrado uma razão para andar por aí com um telefone celular, o filme fornece uma: pode salvar sua vida. O celular é mais uma quinquilharia imprescindível para fazer andar o maravilhoso mundo tecnológico de "Assédio Sexual".
JGC - Faltou só o vibrador.
FS - E o sexo virtual.

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