São Paulo, quinta-feira, 26 de janeiro de 1995
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Tomando precauções

MOACYR SCLIAR

Ela é, como se costuma dizer, uma velhinha enxuta; magrinha, bem conservada, bem disposta. Já teve um enfarte, mas mesmo assim caminha uma hora todos os dias. Os filhos e netos só vêem nela um defeito.
Acham-na imprudente. Isto porque mora sozinha, num velho edifício, num bairro distante. Não há serviço de portaria, não há elevador, nada. E se a senhora tiver algum problema, perguntam, inquietos. Ela ri:
– Ora, eu não tenho medo de nada.
E não tem medo mesmo. Uma vez um ladrão tentou entrar no apartamento. Para seu azar, ela estava em casa, e enfrentou-o sem temor, armada apenas de uma sombrinha (quebrada). O delinquente ficou tão surpreso que fugiu. Mais tarde foi preso e declarou, solene: o maior erro da minha vida foi pensar que roubar a casa daquela velha seria fácil.
Valente, sim. Por isto fiquei surpreso da última vez que a visitei. Mostrou-me uma série de equipamentos recém adquiridos: um extintor de incêndio, uma escada de corda, e até uma máscara contra gases. Elogiei esta precaução, mas tive de observar:
– Não sabia que a senhora tinha medo de incêndio.
– Não tinha. Até que li esta notícia.
E me mostrou um recorte de jornal, com a triste história: marido briga com mulher, põe fogo no apartamento, e quem morre asfixiada é a vizinha.
– Eu achei que isto foi um aviso do destino – garantiu ela.
– É mesmo? porquê?
– Em primeiro lugar, eu tenho mais ou menos a mesma idade dessa senhora que morreu, noventa e poucos anos. Depois, me chamo Felicidade como ela – sempre achei que este nome acabaria me dando azar. E tem mais uma coisa.
Apontou para a parede, baixou a voz.
– O casal do lado. Brigam como cão e gato, se agarram a tapas todos os dias. E ele tem mania que sempre me deixou intrigada: coleciona caixas de fósforos. Tem milhões delas, espalhadas por todo o apartamento. O dia que quiser botar fogo na casa, vai ser um horror. Aí, eu tinha duas alternativas: ou servir de mediadora entre eles, ou me proteger contra incêndios – o que me parece mais fácil.
Mostrou o seu equipamento de proteção, sorriu:
– É o que eu sempre digo: mais vale prevenir do que remediar.

A partir de hoje, a coluna "Boletim de Ocorrência" passa a ser publicada às quintas-feiras neste espaço.

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