São Paulo, sexta-feira, 27 de janeiro de 1995
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'Amateur' mistura ação e desejo

MARCELO REZENDE
DA REDAÇÃO

Filme: Amateur
Produção: EUA, 1993, 105 min.
Direção: Hal Hartley
Roteiro: Hal Hartley
Elenco: Isabelle Huppert, Martin Donovan, Elina Lowensohn
Onde: Espaço Banco Nacional de Cinema/sala 1

Nas imagens criadas pelo diretor Hal Hartley, as pessoas tentam responder basicamente duas perguntas: "Por onde tenho andado?" e "o que está acontecendo?". Em "Amateur", que estréia hoje, essas dúvidas chegam ao ponto da exasperação.
O filme mostra a história de um homem (Martin Donovan, o alter ego do diretor Hartley) que desperta em uma rua da cidade de Nova York sem se lembrar nem ao menos de seu nome. A única pessoa disposta a ajudá-lo é uma ex-freira que passa seus dias em uma lanchonete, escrevendo pequenos textos pornográficos.
Assim, com o passar da história, a imagem desse homem é construída de tal maneira que duas idéias se impõem: sabemos de seu passado através do testemunho de uma atriz de filmes pornô, descobrindo toda a sua perversidade; de outro lado, existe aquele que é conhecido apenas por seus atos presentes. Um ser exemplar em sua normalidade, na vontade que tem de se conhecer e se ajustar no lugar onde está. Alguém capaz de despertar o amor de uma mulher, que enxerga nele a possibilidade de felicidade, de ajustamento.
Mais do que em seus filmes anteriores exibidos no Brasil ("Confiança" e "Simples Desejo"; seu primeiro longa, "Unbelivable Truth", continua inédito por aqui), "Amateur" é um excesso nos temas do diretor: a religiosidade, as dificuldades excessivas entre o desejo e sua realização e, sempre, sua atração por seus próprios maneirismos. Mas, comparado a seus outros filmes, "Amateur" é também um filme de abandono, de deslocamento.
O que o próprio Hartley considera um progresso em sua maneira de fazer filmes significa, enfim, deixar de apenas reciclar o cinema europeu de 30 anos atrás. Godard persiste em Hartley, mas dessa vez menos em sua forma.
A atriz Isabelle Huppert considera "Amateur" a mistura equilibrada entre a ação e a metafísica. O que no cinema americano pode significar, apenas, um filme policial onde os personagens pensam.
Mas a chamada "metafísica" em Hartley é uma disposição em trabalhar com os gêneros usados pelo cinema (o policial, a história de amor, o "western") filtrados por um olhar de insatisfação com o real. E talvez aqui as cansativas comparações com Godard se prestem. Na crença de que o cinema, a câmera se iludem acreditando que podem retratar o que acontece. No mais, podem iludir o mundo.
E talvez seja essa a grande fraqueza dos filmes de Hal Hartley, apesar de seu raro talento (especialmente no cinema americano). Persistir em reafirmar suas crenças através do olhar de um outro.

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