São Paulo, sábado, 28 de janeiro de 1995
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EUA na dança

JOSUÉ MACHADO

Estados Unidos progrediu muito ou Estados Unidos progrediram muito? O leitor Antônio Francisco Perroni, de Piracicaba, SP, considera que o costume dos jornais de fazer a concordância de "EUA", sem artigo, com o verbo no plural contraria as regras gramaticais geralmente aceitas. "EUA decidem invadir, EUA buscam...". E lembra a gramática de Francisco Platão Savioli, que registra a regra:
"Quando o sujeito é formado por nomes próprios de lugar que só têm forma plural, há duas construções:
– se tais nomes vierem precedidos de artigo, o verbo concordará com o artigo; Ex.: Os Estados Unidos progrediram muito. O Amazonas corre volumoso pela floresta.
– se tais nomes não vierem precedidos de artigo, o verbo ficará sempre no singular. Ex. Minas Gerais elegeu seu senador."
Está certo. O nome "Estados Unidos" tem forma e valor plural. Mas, se houver, haverá raros livros que dêem exemplos como "EUA progrediu muito". "As Alagoas produziram ótimos políticos ultimamente", "As Minas gerais são o estado (com minúscula) de Itamar", "Os Buenos Aires são uma cidade cheia de argentinos", "Amazonas inundam a floresta com suas águas indomáveis". Por que será? Porque são formas que não se usam nem a lucenadas.
Na verdade, os jornais costumam omitir o artigo em títulos para economizar espaço. Já faz parte do que se poderia chamar de cultura jornalística. O título tem de ser claro, abrangente, telegráfico, se possível atraente, sensual, curto e grosso no bom sentido. No caso dos EUA, significa três valiosos espaços a mais, ou a menos. Um drama ao cair da noite, dizem Renata e Gitão, entre outros, que cuidam da primeira página nesta Folha. Todos eles sabem que só se deve usar "Estados Unidos" com artigo, que comanda a concordância verbal. "Os EUA invadem, dominam, ajudam, coisa e tal."
Ao mesmo tempo, não há dúvida de que certas construções soam mal, embora gramaticalmente corretas. No caso mais comum, dos EUA, há certa implicitude, como diria o preclaro procurador-geral. Dir-se-ia, como oraria na sala do café o nobre senador maranhense Alexandre Costa, que o artigo esta oculto, de forma que na concordância mais natural os EUA são tratados sempre como ente plural, com ou sem artigo explícito. E as Minas Gerais, os Buenos Aires e as profícuas Alagoas são tratadas sempre como entidades singulares, jamais com artigo.
Ora, direis, essa é uma explicação escorregadia. Menos, no entanto, do que a do governo para vetar o salário mínimo de R$ 100 e não vetar a lucenal anistia nem a chuva de regalias que nossos amáveis políticos votaram para eles mesmos com grande alegria, vivam eles!, que muito merecem. Mas não parece haver outra explicação para o fenômeno que envolve aqui o nome da Grande República do Norte, como a chama, ou chamava, um jornal desta praça. Lá é "United States is...", no singular, e não sa fala mais nisso.
Aqui, no entanto, deve-se escrever que "Os Estados Unidos fazem e acontecem" e que "Os Estados Unidos inteiros estremecem abalados pelo poder devastador do novo dinheiro brasileiro, o real, que está botando o dólar no lugar que merece, de joelhos." É isso aí.
Há quem condene o uso de "Estados Unidos" sem artigo, e a construção de fato fica estranha. Mas alguns autores concordam com a solução dada por "Veja" um dia destes: "EUA quer frutas brasileiras". Agiu de acordo com a regra.
Com boa vontade e o perdão dos especialistas menos sensíveis, talvez seja possível considerar, no caso de "Estados Unidos fazem isso e aquilo", a ocorrência do fenômeno da elipse do artigo. Elipse, sabemos todos, consiste na supressão de termos facilmente subentendíveis.
Chiarão alguns sábios, mas, quando se publicarem coisas como "EUA decidem invadir..." – sem artigo e verbo no plural –, os culpados poderão apontar em coro a elipse do artigo ou a licença jornalística. Jamais insapiência, também conhecida como ignorância. No máximo, distração. Peçam ao Umberto Eco que faça um título brilhante de 20 ou 30 pancadas em 10 minutos. Caca quase certa. Também não vale pedir que um jornalista escreva um daqueles livros dele em 20 ou 30 anos. Caca na certa.

JOSUÉ R.S. MACHADO é jornalista, formado em línguas neolatinas pela PUC-SP. Colaborou em diversos jornais e revistas.

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