São Paulo, sábado, 28 de janeiro de 1995
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Clermont-Ferrand abre competição

AMIR LABAKI
ENVIADO ESPECIAL A CLERMONT-FERRAND

O Festival do Curta-Metragem de Clermont-Ferrand (centro da França) inaugura hoje sua competição internacional.
Três brasileiros estão entre os 73 concorrentes deste ano em Clermont-Ferrand. É a terceira maior seleção, atrás apenas da britânica e da americana. Sinal do prestígio do curta brasileiro no festival, premiado aqui nos anos de 1990, 1992 e 1994.
José Roberto Torero levou no ano passado o prêmio de pesquisa com "Nunc et Semper". Volta agora com "Amor!", o grande curta brasileiro de 1994. A ascensão e queda de um casal provinciano surge comentada por uma série de estorietas de amores felizes e de depoimentos "fakes" de especialistas no assunto. Este esqueleto dramático simples é sensivelmente enriquecido pelo material visual e sonoro mobilizado pelo realizador.
A história de amor entre Apolo e Diana desenvolve-se a partir da animação de material fotográfico variado, sem qualquer compromisso com uma continuidade estrita quanto à figura dos personagens ou mesmo à data das fotos.
A narração intimista de Paulo José cimenta o todo, dando-lhe organicidade dramática. O contraponto está na narração como sempre cáustica de Paulo César Pereio das estorinhas que comentam a "love story".
"Amor!" privilegia o cômico, evolui para o tragicômico e revela-se por fim simplesmente cético. É a marca de José Roberto Torero tanto em sua carreira de realizador ("A Inútil Morte de S. Lira", "Nunc et Semper", "Amores Possíveis") quanto de romancista ("Chalaça").
O recurso sistemático ao humor, à narração de Paulo José e à mistura indiscriminada de materiais fílmicos têm-lhe valido a comparação com Jorge Furtado ("Ilha das Flores", principalmente).
São coincidências menores para obras bastante distintas. A de Torero é fundamentalmente paródica e intimista, enquanto a de Furtado, em evolução estilística, assume crescente engajamento social.
É de Jorge Furtado, duas vezes premiado em Clermont ("Ilha das Flores", em 1990, "Esta Não é a Sua Vida", 1992), o outro concorrente do ano: "A Matadeira", um dos episódios do longa-metragem sobre o massacre de Canudos em finalização por uma co-produção germano-luso-brasileira.
Furtado partiu de um símbolo para discutir o episódio: os novíssimos e imponentes canhões utilizados pelo Exército brasileiro para a repressão do movimento messiânico liderado por Antonio Conselheiro. Mas o filme coloca mais perguntas do que mostra respostas.
"A Matadeira" apresenta uma estrutura de colagem, misturando trechos encenados, animações, fotos de época e extratos de documentários recentes.
Seu tom é assumidamente extremado: os cenários são ultrafakes, as cores, sempre berrantes, as interpretações, histriônicas –encabeçadas pelo carismático Pedro Cardoso em vários papéis.
As principais explicações sobre Canudos são passadas a limpo, detendo-se na econômica (fim do ciclo do algodão no Nordeste), na militar (neo-armamentismo da então jovem República brasileira) e na psicológica (tragédia familiar atira Antonio à pregação).
Elas se complementam, mas não esgotam o mistério da mais célebre guerra religiosa nacional. Furtado estica um pouco seu curta, arrefecendo ao fim seu impacto.
"Estingue!", de Eduardo Caron ("P R Kadeia"), é o terceiro representante nacional. A princípio, é um curta que parece romper com toda a obra anterior de Caron.
O ritmo frenético se ralenta, os planos se alongam, a metrópole fica distante, a locação é mata cerrada. É uma impressão de ruptura que logo se dilui.
Os marginais da cidade são substituídos por marginais do país –os índios. Mas a violência nas relações humanas persiste: o homem é ainda o lobo do homem, seja ele branco, índio ou mestiço. A narrativa aos poucos revela a mesma curva dos filmes anteriores: fragmentação inicial dos personagens, cruzamento dos destinos, final aberto em tom baixo.
Contas feitas, são três belos representantes, numa competição que de saída não apresenta nenhum grande nome.

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