São Paulo, sábado, 28 de janeiro de 1995
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Livro festeja cem anos do Barão de Itararé

DANIEL PIZA
DA REPORTAGEM LOCAL

Na nobreza do humor brasileiro, Aparício Torelly, o Barão de Itararé (1895-1971), é o primeiro aristocrata. A prova está no seu "Almanhaque nº 3", que a editora Studioma lança na segunda-feira.
Comemorando o centenário do Barão, que acontece amanhã, o livro é o terceiro editado pela dupla Sérgio Papi e José Mendes André, da Studioma. Os outros dois foram editados em 1989 e 1991: respectivamente, o "Almanhaque" nº 2, "para o primeiro semestre de 1955", e o nº 1, "para 1949".
O "Almanhaque nº 3" foi feito "para o segundo semestre de 1955" e é o último dos almanaques produzidos pela verve do Barão. A edição é de luxo e traz o selo da Secretaria de Estado da Cultura, como as anteriores, mas desta vez, segundo Papi, a cor do dinheiro (R$ 20 mil) que cabia à secretaria ainda não foi visto.
"É uma dificuldade publicar, divulgar e distribuir esses livros", diz Papi. "Por isso fazemos uma tiragem de apenas 1.500 exemplares e somos obrigados a cobrar um pouco caro (R$ 69)."
Tanta dificuldade para publicar um humorista que foi tão famoso e influenciou tanta gente? Há quatro anos, resenhando nesta Ilustrada o "Almanhaque para 1949", Sérgio Augusto elencou todos os descendentes da estirpe fundada pelo Barão: de Sérgio Porto (Stanislaw Ponte Preta) a Jaguar.
Sérgio Augusto também reconheceu esses três "Almanhaques" como pais do "Pasquim" e avôs de "Casseta e Planeta", para citar só dois exemplos de publicações na mesma linhagem.
E não é só isso. O Barão foi mais que um pioneiro do humor satírico e debochado, de temas políticos e culturais, em que o Brasil tanto se destaca.
Também foi mais que um frasista e trocadilhista incansável, com assustadores poderes premonitórios. (Em 31 de março de 1964, às vésperas do golpe militar, olhou desconfiado para o céu e desfechou: "Há algo no ar além dos aviões de carreira".)
O Barão era um esgrimista literário de primeira, quase à altura de Mencken e Kraus, seguidor direto de Bernard Shaw. Uma companhia nada desprezível.
Aí vai: "O casamento é uma tragédia em dois atos, um no civil, outro no religioso." Outra: "O fígado faz mal à saúde." Mais uma: "Máquinas e advogados precisam ser lubrificados."
Os "Almanhaques" eram uma espécie de suplemento póstumo do jornal que o Barão escrevia (como Kraus escrevia sua revista) completamente sozinho, apenas com auxílio gráfico do ilustrador Guevara, "A Manha", nascido em 1926 e morto em 1952.
Eram paródia dos almanaques como Capivarol. O leitor não tinha por que se enganar. Nesse nº 3 que a Studioma está publicando, antes da folha de rosto já vem o aviso:
"Este número vem à luz com o apreciável atraso de um semestre, mas isto não tem a menor importância porque, agora, com Jotacá, vamos avançar 50 anos."
O tal Jotacá, claro, é Juscelino Kubitschek (JK), presidente eleito em 1956 com o programa de fazer o país avançar 50 anos em cinco.
Segue-se uma série impagável de tiradas, cartuns, pseudoprovérbios, pseudoconselhos, historietas de cultura inútil como "A humanização dos animais", dicas panglossianas, anúncios, poemas paródicos –enfim, um besteirol virtuosístico que traz, até, uma máxima a cada uma das 192 páginas.
Em meio a tudo isso, uma minipeça de (ora, vejam só) Shaw, um conto de Lobato, outro de Mark Twain e uma carta de Eça de Queiroz. O Barão sabia o que era nobilitude, sem dúvida.
E esse é o "a mais" de Aparício Torelly. Deboche para ele não bastava, chacota era apenas uma de suas armas. Seus alvos eram sérios, escolhidos à mira fina.
Colocava-se até como clown, representando o papel dos que criticava (daí o título autoconcedido de barão) para influir com suas idéias. Enfim, não era um cínico como tantos dos humoristas das últimas décadas.

Título: Almanhaque nº 3
Autor: Barão de Itararé
Quanto: R$ 69
Quando: lançamento segunda, às 19h, na Livraria da Vila (r. Fradique Coutinho, 914, Vila Madalena, zona oeste)

Texto Anterior: Clermont-Ferrand abre competição
Próximo Texto: Estúdios de cinema querem espaço na TV
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.