São Paulo, sábado, 28 de janeiro de 1995
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Um espetáculo de maniqueísmo

REINHOLD STEPHANES

Não tenho nenhuma dúvida em afirmar que o aumento do salário mínimo para R$ 100, neste momento, colocaria em risco o Plano Real, além de agravar o déficit da Previdência, de alguns Estados e de centenas de municípios.
Não se discute que o salário mínimo ou os benefícios da Previdência são baixos –tais rendimentos são iníquos e não asseguram a sobrevivência.
O Brasil, lamentavelmente, assiste a um espetáculo marcado por um certo maniqueísmo. De um lado, estão os que se apresentam como salvadores da pátria, são bonzinhos, fazem cortesia com o chapéu alheio, inclusive da sociedade. De outro estão os que atuam com equilíbrio querendo que o país volte as costas a um passado de indignidades e construa um futuro mais tranquilo.
Os brasileiros precisam saber que cada real acima do salário mínimo de R$ 70 representa para os 12 milhões de aposentados e pensionistas, neste piso, um acréscimo de R$ 12 milhões nas despesas mensais da Previdência.
Se aumentarmos de R$ 70 para R$ 100, teremos 30 vezes 12 milhões. Serão, portanto, R$ 360 milhões por mês, que multiplicados pelos 13 pagamentos anuais, elevariam os encargos para R$ 4,68 bilhões.
Mas, evidentemente, este aumento deverá ser repassado para os outros 3,3 milhões de aposentados e pensionistas que recebem acima do mínimo, somando aos encargos quase R$ 2 bilhões. O custo chegaria, portanto, a R$ 6,5 bilhões anuais.
Sabe-se também que a contribuição sobre a folha está 100% comprometida com pagamentos de benefícios e que o Tesouro já em 95 terá que repassar R$ 2,5 bilhões inclusive para o custeio da máquina.
Quem pagaria a conta adicional?
O Tesouro, desequilibrando os contas públicas e trazendo de volta a inflação?
Ao contrário do que muita gente diz, até raivosamente, o aumento do mínimo para R$ 100 geraria apenas 650 milhões de reais para a Previdência, 10% das necessidades. Há os simplórios que proclamam que a Previdência deveria cobrar uma dívida histórica e hipotética com o Tesouro.
Outros dizem que a Previdência deveria vender seus imóveis. Parte da imobiliária foi vendida e a receita foi pífia. Outros ainda clamam por combate mais efetivo à sonegação, com justa razão. Desconhecem, entretanto, que foram emitidas, em 94, 76 mil notificações de débitos no valor de R$ 3 bilhões e que foram parar na justiça federal 47 mil ações no valor de R$ 3,3 bilhões.
Em outros tempos, o imposto inflacionário contribuía para financiar a Previdência. Sem a inflação, não há quem a financie. A expansão de seu déficit gerará inflação, mas o ciclo inflacionário está banido. A volta da inflação seria um desastre.
Essa é uma hipótese que não está no ideário do governo do presidente Fernando Henrique Cardoso que, com coragem e serenidade, anunciou o veto ao projeto que aumentaria o mínimo para R$ 100. Optou por defender um país cada vez mais distanciado da inflação.
Mas não se satisfez com isso. Está acelerando a apresentação dos projetos de reformas, os quais permitirão corrigir essas iniquidades, de forma gradativa, segura, permanente, evitando que a Previdência continue a constituir obstáculo ao aumento do salário mínimo.

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