São Paulo, domingo, 29 de janeiro de 1995
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Socorro para os ricos

JANIO DE FREITAS

"Pedido do governo dos Estados Unidos" e "oferta do Brasil ao México", expressões aparecidas no noticiário, são gentilezas jornalístico-subdesenvolvidas para resguardar o governo da evidência de sua submissão aos interesses dos Estados Unidos, mesmo que contrariando os nossos interesses nacionais. No telefonema do ministro Pedro Malan, o secretário do Tesouro dos EUA, Larry Summers, já apresentou o pacote pronto para atender à "necessidade" do governo americano de que se incorpore ao socorro financeiro para o México. O qual, aliás, não é bem para o México.
O montante pretendido por Summers seria ainda maior do que os já escandalosos US$ 300 milhões que o presidente Fernando Henrique logo achou muito razoável conceder. As informações por ora alcançadas atribuem ao presidente da Argentina, Carlos Menem, o rápido entendimento para que o seu país e o Brasil limitassem a contribuição a US$ 300 milhões cada, e Chile e Colômbia a US$ 200 milhões, perfazendo US$ 1 bilhão.
O presidente Fernando Henrique, segundo seu porta-voz Sérgio Amaral, considera que o Brasil está "em condições excepcionais para ajudar o México", dadas as suas "reservas de quase US$ 40 bilhões". Até estourar a crise mexicana no mês passado, as reservas brasileiras eram de US$ 43 bilhões. Nas poucas semanas de lá para cá, evaporaram-se 10%. Dos US$ 39 bilhões atuais, cerca de US$ 15 bilhões, quase 40%, são compostos por dólares evaporáveis, os que vêm multiplicar-se com os juros pagos pelos títulos do governo brasileiro e, enchido o cofre ou despertado algum temor, vão-se para novas especulações além-mar. De reservas mesmo, os US$ 39 bilhões citados por Fernando Henrique, caem para uns US$ 24 bilhões. Menos do que os US$ 26 bilhões que o México tinha quando entrou em parafuso. E, pela falta de reservas suficientes, foi-se.
Na verdade, quem se foi com a crise mexicana foram os dólares dos bancos e especuladores americanos. Já na primeira semana da crise os bancos estimavam perdas imediatas em US$ 10 bilhÕes. Depois começou a dança das cifras, porque a divulgação das perdas reais aumentaria a crise, provocando mais perdas, e para não assustar os acionistas de bancos americanos. Mas as estimativas que parecem mais confiáveis situam as perdas americanas entre 20 e 30 bi. Descontados os lucros auferidos no decorrer do ano passado, até a eclosão da crise em dezembro.
Daí que o destino final do dinheiro brasileiro não seja o México. Os US$ 300 milhões vão fazer baldeação rápida nos cofres mexicanos, para logo tomar o rumo dos bancos, corretoras e especuladores individuais dos Estados Unidos.
O destino final do dinheiro não importa, no entanto. Como diz Fernando Henrique, o Brasil "está em condições excepcionais". Não tem 62 milhões de pobres e indigentes (número levantado pelo próprio governo, no Ipea), não ostenta o penúltimo pior salário mínimo do mundo, não está massacrando a velhice com aposentadorias criminosas, não tem problemas de assistência médica e de educação. O mesmo não se pode dizer dos banqueiros, corretores e especuladores americanos, coitados. Ainda bem que contam com a solidariedade de presidentes cucarachas.

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