São Paulo, domingo, 29 de janeiro de 1995
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OMC, o xerife que vigiará US$ 5 tri

CLÓVIS ROSSI
ENVIADO ESPECIAL À SUÍÇA

O novo xerife da verdadeira aldeia global reúne-se pela primeira vez nesta terça-feira, dia 31, num casarão às margens do lago Leman, na cidade suíça de Genebra.
Trata-se da reunião do Conselho Geral da OMC (Organização Mundial de Comércio), a mais nova instituição planetária, criada para ser o xerife do comércio de bens e serviços.
O poder de fogo do novo xerife é quase impossível de se imaginar: o comércio de bens e serviços alcançou no ano passado cerca de US$ 5 trilhões ou dez vezes o tamanho de toda a economia brasileira.
"A OMC é muito mais do que uma organização de comércio. Vai tratar de tudo que diz respeito à globalização da economia", avalia o ex-ministro do Planejamento João Paulo dos Reis Velloso, hoje superintendente-geral do Instituto Nacional de Altos Estudos.
Ou, como prefere Peter Sutherland, primeiro diretor-geral da OMC, cujo substituto será escolhido na reunião de terça:
"A OMC compromete as nações a uma cooperação global para aumentar os rendimentos e criar bons empregos por meio do comércio justo e livre."
A visão otimista de Sutherland está amparada nos números mais recentes produzidos pelo Gatt (Acordo Geral de Tarifas e Comércio, do qual a OMC é uma sucessora muito mais forte).
A renda anual do mundo aumentará US$ 510 bilhões (um Brasil inteiro) quando, em 2005 estiverem em funcionamento todos os mecanismos previstos na Rodada Uruguai, que criou a OMC.
Dessa fatia, o Brasil leva uns US$ 8 bilhões a US$ 12 bilhões por ano, calcula o chanceler Luiz Felipe Lampreia, com base em estudos do Banco Mundial e da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento (OCDE, o clube dos 25 países mais industrializados do mundo).
Parece um cenário cor-de-rosa, não fossem algumas avaliações sombrias.
A primeira delas aparece no quadro que mostra que os países já ricos verão sua renda aumentar o dobro do aumento previsto para os países em desenvolvimento ou em transição para o capitalismo.
"A globalização pode levar irritação às pessoas que não consigam as recompensas que acham que merecem", suspeita Peter Kassler, chefe de Planejamento da Shell em Londres, conforme relata a revista "The Economist".
No mundo rico, por sua vez, crescem as vozes que temem que a globalização signifique pura e simplesmente a transferência de empresas (e, por extensão, de empregos) para países de mão-de-obra mais barata.
Na mesma edição de "The Economist", David Roche, da firma britânica de pesquisa "Independent Strategy", afirma:
"Todo grande país vai perder crescimento em produtos tradicionais para um grupo de trabalhadores qualificados e baratos em algum canto do mundo."
São previsões que só o futuro provará se acertadas ou apolípticas.
Desde já, o que é certo é que as regras do jogo mudaram profundamente, pelo menos na teoria.
Até aqui, o comércio mundial era regulado, na prática, pelas decisões, acordos e controvérsias entre os três grandes (EUA, União Européia e Japão). Agora, o mais pobre dos 125 países-membros da OMC terá direito a recorrer a um foro multilateral e escapar assim de medidas unilaterais dos poderosos.
O que também dá motivo para afirmações portentosas, como a de Newt Gingrich, o novo presidente (republicano) da Câmara dos Representantes norte-americana:
"O sistema de solução de controvérsias representa a ditadura do Terceiro Mundo e a perda da liberdade dos Estados Unidos sobre o comércio internacional."

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