São Paulo, domingo, 29 de janeiro de 1995
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Crise mexicana torna ajuste fiscal urgente

FERNANDO CANZIAN; JOÃO CARLOS DE OLIVEIRA
DA REPORTAGEM LOCAL

A crise mexicana tornou urgente para o Brasil a adoção da reforma fiscal para substituir o modelo de controle da inflação baseado no câmbio –que é a base atual do Plano Real, assim como dos planos argentino e mexicano.
"Na visão dos investidores, o México era o primeiro aluno da classe. Se o primeiro aluno leva bomba, que dirá o resto", compara o ex-presidente do Banco Central Francisco Gros, hoje consultor da corretora norte-americana Morgan Stanley.
O modelo usado até agora segura os preços de duas maneiras: aumentando as importações e valorizando a moeda local em relação ao dólar.
Sem gerar dólares na área comercial (com importações maiores que exportações), o país, para pagar suas contas externas e investir em seu crescimento econômico, contava com com o ingresso de dinheiro externo.
A crise mexicana mostrou a fragilidade desta engrenagem e secou o interesse dos investidores em colocar dinheiro na América Latina, incluindo o Brasil.

Reservas
Embora admitam que a situação brasileira é diferente da mexicana (o Brasil é exportador e tem US$ 36 bilhões em reserva), as corretoras encaram a América Latina como um único pacote.
"Na hora da crise, os investidores saem do Brasil junto com a debandada do México, sem considerar as peculiaridades. Infelizmente é assim que o mercado funciona", afirma Celso Barison, diretor de operações do Banco de Crédito Nacional (BCN) nos EUA.
O discurso do governo brasileiro tem sido o de enfatizar as diferenças. Mas, nem por isto, o governo deixou de se ver obrigado a alterar sua política.
"O apetite por déficit já não existe mais", diz Cássio Casseb Lima, vice-presidente do Citibank. Ele afirma ainda que o governo foi obrigado a rever sua intenção de mexer na taxa de câmbio e diminuir a velocidade de queda das taxas de juros.
Não mexeu no câmbio para não repetir o mesmo erro do México. E não reduziu os juros para segurar o excesso de consumo que, segundo a Folha apurou junto ao governo, pode causar desabastecimento ou pressão sobre a balança comercial (exigindo importações maiores).
Além disso, o governo vem adotando uma série de medidas para incentivar as exportações e estuda até limitar as importações de alguns produtos (caso dos automóveis).
Todas estas medidas não resolvem, porém, o problema crucial: tirar do câmbio a função de ancorar sozinho o Plano Real.
"O Brasil está passando por um escrutínio minucioso da parte dos investidores internacionais", diz Geoffrey E.J. Dennis, diretor para operações na América Latina da corretora Bear Stearns de Nova York. "As reformas estruturais têm de ser feitas", completa.
José Antônio Pena Garcia, economista do Banco de Boston, diz que a crise mexicana estreitou o espaço para a manutenção do câmbio valorizado. "O tempo já não é mais infinito. O Brasil tem que fazer urgentemente o ajuste fiscal. As cartas de intenção são ótimas, mas é hora de colocar o programa em andamento".
Segundo Garcia, cada queda de US$ 1 bilhão nas reservas significa menos semanas para fazer o ajuste.

Crise cambial
Nos últimos dois meses, o Brasil acumulou um déficit comercial (importações maiores que exportações) de quase US$ 1,4 bilhão.
O economista acredita que o Brasil está longe de uma crise cambial (perda acentuada das reservas como aconteceu no México), mas diz ser essencial o país dar um sinal concreto para os mercados de que seu plano de estabilidade tem fôlego, mesmo sem contar com o ingresso maciço de capital estrangeiro –estancado desde a implosão mexicana.
Casseb Lima divide os recursos que poderiam ingressar no país em três tipos de dinheiro: capital de curto prazo; capital nas Bolsas; e investimento direto. Dos três, acredita, somente o investimento direto não é afetado imediatamente pela crise mexicana.
Quem está construindo uma fábrica ou ampliando a produção, diz, sabe exatamente o que é o Brasil, seu potencial de crescimento, o tamanho do mercado.
No caso do capital de curto prazo, a crise terminou com ele. Mas Lima diz que o Brasil já vinha limitando este tipo de ingresso. "Não vai fazer falta."
No caso dos recursos em Bolsa, Lima afirma que são importantes porque ajudam a melhorar o clima de expectativas e são essenciais para o programa de privatizações.
Com a crise, também este tipo de capital vai afluir em menor quantidade para a América Latina. Mas a posição relativa brasileira pode melhorar. "Dependendo do ritmo das reformas", completa Garcia.
Pedro Bodin, ex-diretor do BC e, atualmente, no Banco Icatu, acredita que o país pode até ter déficit em conta corrente (resultado final entre as receitas e despesas em dólar) "desde que o mercado perceba que este déficit é reversível. O que não pode acontecer é, como no México, o déficit chegar a 7% do PIB (Produto Interno Bruto)."
Em outras palavras: o país terá de fazer o ajuste fiscal até para se credenciar a receber novos recursos externos.

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