São Paulo, domingo, 29 de janeiro de 1995
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Banda evoca um passado sem sentido

ÁLVARO PEREIRA JÚNIOR
EDITOR-CHEFE DO NOTÍCIAS POPULARES

Há algo de muito, muito errado com uma banda que agrada quatro gerações ao mesmo tempo. Há algo de muito, muito esquisito com um grupo que termina sua apresentação torrando milhares de dólares em fogos de artifício.
Esse algo errado, esse algo esquisito é o seguinte: aqueles quatro senhores que subiram ao palco na noite de sexta-feira no Pacaembu podem até tocar uma banda. Mas ela não é de rock.
Rock é, essencialmente, o som que seu pai detesta. O rock faz desaforo, tem boca suja, vive experimentando. O rock não tem amigos, exceto os da própria banda e a rapaziada da primeira fila. O rock não está nem aí.
Os Stones não foram nada disso. A massa quer "Jumping Jack Flash"? A gente dá. O povo gosta de sentir a banda à vontade, descontraída? No big deal, a gente força uns sorrisos para o telão. A turba exige "Satisfaction"? Nós tocamos. E não custa nada fingir que estamos curtindo.
É Águas Claras ou é Rolling Stones? Não faz diferença. Tem maconha. Tem bar fuleiro. Tem freaks seminus. Reduzido ao mais raso denominador comum, um show dos Rolling Stones no Brasil não passa de um lixo qualquer.
Ninguém se atreveria simplesmente a renegar os Stones. Claro, não é o caso. "Simpathy for the Devil" ainda emociona.
Ainda comove um velho como Mick Jagger anunciar humildemente que a próxima música é "Rocks Off", do maravilhoso álbum "Exile on Main Street". E é impossível ficar inerte ao escutar "Street Fighting Man", um hino, uma canção que fez tanta gente gente mudar de vida, que obrigou tanto vagabundo a tomar vergonha na cara.
Só que o rock não pode viver só de reverência. O rock se alimenta –na veia– de invenção.
Na sexta, o som estava horrível. Fez sentido, caiu bem. A voz de Mick parecia vir do passado, de uma época que, embora seminal, não faz mais sentido. A guitarra de Keith Richards soava como qualquer coisa, menos um instrumento de rock.
Os Stones, como banda ao vivo, acabaram. Não porque toquem mal, ou estejam caídos. Pelo contrário. Eles ainda são mais competentes do que 99,99% dos grupos que andam por aí.
Eles sabem tudo. No palco, parecem garotos. O problema é justamente esse.
Há 25 anos, os Rolling Stones mudaram o rock. Isso são anos-luz no domínio pop.
Ninguém pode nem deve esquecer o que esses caras fizeram.
Mas ninguém pode nem deve esquecer que a repetição representa a morte do rock and roll como nós o conhecemos. A cada lançamento de um selo obscuro, a cada show fedorento de uma banda de moleques de 16 anos em Tulsa, Oklahoma, o rock tem a obrigação de renascer. E é exatamente isso que ele faz.
Os Rolling Stones estão em outra praia. A do comodismo, a das certezas entediantes.
Sua próxima parada é Las Vegas. Seriam muito mais respeitáveis se estivessem mortos.

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