São Paulo, domingo, 29 de janeiro de 1995
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Revisão rediscutirá a independência econômica

WALTER CENEVIVA
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

O primeiro inciso do primeiro artigo da Constituição brasileira diz que o Brasil se constitui em estado democrático de direito, que tem como fundamento a soberania. Antigamente o conceito de soberania era fiel a sua etimologia, como a qualidade do que é soberano, detentor da suprema autoridade para decidir os atos do Estado.
Nesse tempo a soberania era o poder absoluto pelo qual qualquer nação se autogovernava, discutia, emitia e executava leis, decidia questões de direito sem a interferência das demais nações. Não mais. Hoje se compreende que a noção absoluta de autogoverno é ultrapassada, tal a extensão dos interesses comuns entre os países livres.
Contudo, nos mencionados países livres os governos continuam controlando a máquina do Estado e, formalmente (insisto: formalmente apenas) determinam, segundo seus próprios critérios, sem a influência estrangeira, os atos e os fatos da correspondente administração pública.
Incidem sobre o controle formal dois vetores importantes, que marcam a distância entre a aparência e a realidade. O primeiro decorre da insuficiência do Estado Moderno de controlar, tantas as suas deficiências, o fluxo decisório econômico e negocial das grandes empresas transnacionais.
A máquina administrativa, legislativa e judiciária de Estado individualmente considerado –em particular os Estados periféricos, situados fora do núcleo dos mais ricos– é tão pesada e complicada, que quando acorda para algum problema, todas as vacinas contra sua influência já foram adotadas. O Estado é fraco. Lídia Goldenstein em primoroso estudo recente ("Repensando a dependência", Paz e Terra, 173 páginas), examinando o papel do Estado em sua inserção na economia mundial, escreve que mesmo durante o regime ditatorial o Estado brasileiro não podia ser considerado forte.
Nesse período, a força do Estado –diz ela– foi largamente utilizada para arbitrar, a favor do capital, os conflitos deste com o trabalho, mas não conseguiu arbitrar a diversidade de interesses no espaço interno da burguesia.
O segundo vetor decorre da transformação das relações internacionais, cuja tendência na segunda metade do século, foi muito firme no rumo da interação, como se retrata com as formações de blocos (o Mercosul é exemplo pálido do que, em nível muito mais amplo e mais eficaz existe no Mercado Comum Europeu). Interação confirmada, aliás, pela vocação latinoamericana afirmada pelo parágrafo único do artigo 4º da Carta Magna.
Lembro, contudo, que o artigo 3º da Constituição brasileira indica como primeiro princípio regente de sua atitude nas relações internacionais é o da independência nacional. O Brasil, enquanto país periférico, é economicamente dependente.
Não basta que a Constituição sustente o princípio da independência. Assim, faz-se necessário saber, como diz Lídia Goldenstein, qual a melhor estratégia para preservar o dinamismo e garantir a continuidade do desenvolvimento nacional, com democracia social e, aí sim, com independência, ainda que inserida na economia internacionalizada de hoje.
A recente desvalorização da moeda mexicana, o "efeito Orloff" em relação à Argentina, o avanço da economia chilena, a retomada do papel uruguaio de Suíça sulamericana são exemplos próximos, a demonstrarem a intimidade entre o jurídico e os demais fatos da vida das nações. Acentuam a dramática importância de um conceito essencial, como é, sem dúvida, o da soberania nacional e de sua compreensão no mundo moderno.

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