São Paulo, domingo, 29 de janeiro de 1995
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Financiamento habitacional faz falta

ÁLVARO ANTÔNIO ZINI JR.
ESPECIAL PARA A FOLHA

Como fiquei boa parte de 1994 fora do Brasil, dou uma olhada nos aluguéis residenciais em São Paulo. Apartamentos de dois quartos com garagem: entre R$ 600 e R$ 700 (ou US$ 705 e US$ 820) por mês. Apartamentos de um quarto: entre R$ 450 e R$ 600 (de US$ 530 a US$ 705).
Comparo com os aluguéis de Boston, nos Estados Unidos. Casa com dois quartos, entre US$ 800 e US$ 900, apartamentos de um quarto, entre US$ 500 e US$ 700.
Será que chegamos ao Primeiro Mundo?
Infelizmente, não. Enquanto a renda per capita na região de Boston é de US$ 35.000 por ano, a renda média de São Paulo é de US$ 4.500.
Uma primeira conclusão parece inevitável. Os aluguéis de São Paulo (e das grandes cidades brasileiras) estão muito elevados e não poderão se sustentar nestes níveis por muito tempo.
Mas uma segunda conclusão é mais importante. Esses aluguéis refletem uma grande escassez de imóveis para moradia. Nos últimos anos, em função da inflação elevada e da destruição do antigo Sistema Financeiro da Habitação, o financiamento para a construção da casa própria caiu muito.
Para se ter uma idéia. Enquanto no final dos anos 70 concediam-se financiamentos para a construção de cerca de 600.000 habitações ao ano, em 1993 o financiamento habitacional foi de apenas 30.000 unidades. Mas, neste meio tempo, a população cresceu de 110 para 160 milhões.
O debate sobre o financiamento da casa própria merece ser reavivado.
O Brasil teve uma experiência relativamente bem-sucedida com o financiamento imobiliário entre 1965 e 1980. As reformas bancária e do mercado de capitais de 1964/65 criaram um segmento especializado dentre os intermediários financeiros do país para financiar a construção de casas próprias, formando o Sistema Financeiro da Habitação (SFH).
Esse sistema tinha no antigo BNH seu agente financeiro fiscalizador e foi concebido da seguinte forma: a captação de recursos se fazia através das contas de poupança, que recebiam correção monetária semestral mais 6% de juros ao ano; os agentes públicos e privados que captassem poupança ficavam obrigados a aplicarem esses recursos no financiamento imobiliário. Ou seja, o mercado foi segmentado (lei 4.380/64) para operar como um ramo especializado.
Em 1981, fiz um estudo da evolução do setor financeiro de 1965 a 1980 (tese de mestrado, Unicamp) e verifiquei que, dentre as reformas previstas, a do financiamento habitacional foi a que teve melhor desempenho. O SFH financiou cerca de 4,2 milhões de moradias até 1980.
Infelizmente, o sistema foi desequilibrado nos anos 80 com a aprovação de uma lei populista que limitou a correção monetária dos financiamentos concedidos, mas manteve a correção na poupança. Tal medida foi inspirada na redução da correção monetária dos empréstimos do BNDES, aprovada por Reis Velloso e Simonsen entre 1975/76.
Como se verificou, com a elevação da inflação, os empréstimos do BNDES deram um subsídio enorme para quem obteve financiamentos. E, uma vez posta em prática tal distorção, outros segmentos passaram a pressionar pelo mesmo benefício. Eventualmente, o Congresso aprovou a tal lei em 1982, causando um desequilíbrio financeiro no SFH.
A pedra adicional para reduzir esses financiamentos a quase nada foi a reforma bancária de 1988 (Res. 1.524/88), que terminou com a segmentação do mercado financeiro e aprovou o funcionamento dos chamados "bancos múltiplos".
A idéia é que os bancos múltiplos teriam mais agilidade para operar em todos os segmentos do mercado, tornando a concessão de crédito mais eficiente e em volume mais abundante. Mas, depois de seis anos, os dados indicam que isso não ocorreu.
A experiência internacional mostra que o financiamento habitacional é mais eficaz quando segmentado em um ramo definido e bem regulado.
Aqui no Brasil, a discussão do tema está meio amortecida, em parte pelas distorções que se verificaram no sistema anterior e em parte pelo anseio de desindexar a economia. Mas a desindexação é uma má idéia nos financiamentos de prazo mais longo em um país que teve experiência de inflação alta.
Por exemplo, o Chile, que é apontado como um exemplo de reformas a ser seguido, manteve um sistema de financiamento habitacional parecido com o que tínhamos. No Chile, a correção monetária dos empréstimos imobiliários é anual e está em bom funcionamento.
Deve-se desindexar os contratos de curto prazo (inclusive as contas indexadas), mas preservar a indexação nos contratos de mais de 12 meses.
A reconstrução de um segmento especializado para o crédito imobiliário é um tema que merece atenção no momento em que o país quer voltar a crescer.
Hoje, os bancos captam depósitos de poupança, o recurso mais barato depois dos depósitos à vista, e aplicam estes fundos, em sua grande parte, em títulos públicos, que estão rendendo 30% acima da inflação.
Mantida essa distorção, não é possível operar com o financiamento habitacional, pois a alternativa (aplicar em títulos públicos) permite um rendimento que quebraria as famílias que tomassem financiamento habitacional com tal taxa.
Para o setor bancário, ademais, como há ainda muito "entulho" legal nesse tipo de financiamento, esta é uma área do crédito muito pouco atraente. Esperar que o mercado encontre sozinho as alternativas para o setor irá demandar muito tempo.
Houve ganhos e ensinamentos com o antigo Sistema Financeiro da Habitação. Sua finalidade maior, a de permitir a construção de mais casas próprias, foi razoavelmente atingida. Este é um bom momento para se reexaminar aquela experiência.

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