São Paulo, domingo, 29 de janeiro de 1995
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Reformas: rumo e táticas

ANTONIO KANDIR

Há grande ansiedade com relação ao encaminhamento das reformas constitucionais a partir de 15 de fevereiro próximo.
A ansiedade é justificável: de um lado, o caráter decisivo, imperativo das reformas, a convicção racional de que a sorte de um novo ciclo de desenvolvimento depende da aprovação de reformas constitucionais; de outro, as incertezas próprias ao jogo político em regime democrático, exacerbadas pela fragilidade partidária característica do Brasil. Tudo isso num momento em que a turbulência internacional reduz muito nossa "liberdade" para cometer erros.
Enfrentar com sucesso as incertezas do jogo político exige não apenas definir com acerto os objetivos a alcançar, o que o governo já fez com clareza, mas também a melhor maneira de alcançá-los, o que muitas vezes é mais difícil, por requerer análises complexas e minuciosas, além de talento.
Principalmente quando se trata de atender à exigência de maioria de 3/5, em duas votações em cada casa do Congresso, instituição composta por 513 membros eleitos com mandatos individuais, com cerca de 50% de renovação da legislatura antiga para esta.
A respeito da melhor forma de encaminhar as reformas, é majoritária entre os formadores de opinião a visão de que o governo deve optar por negociar simultaneamente os vários temas relevantes (reforma fiscal e tributária, previdenciária, administrativa, do sistema financeiro, monopólios etc.).
A preferência por essa estratégia tem razões de ser: permitiria, se bem-sucedida, abrir o horizonte mais claro, no primeiro semestre, quanto às bases para a retomada sustentada do crescimento; é recomendável a um governo em início de mandato.
Os benefícios potenciais dessa estratégia são consideráveis. Mas há riscos não-desprezíveis, sobretudo frente ao quadro de incerteza política.
A primeira constatação que se deve fazer é que todos os partidos, grupos partidários e parlamentares têm uma agenda positiva e outra negativa, isto é, são eleitos para aprovar algumas coisas, negociar a aprovação de outras e bloquear terminantemente a aprovação de outras tantas. Não há nada de ilegítimo em que se oponham terminantemente à aprovação de certas coisas.
Se o governo optar por uma agenda máxima de reformas, introduzindo na pauta mudanças que constituam "prioridades negativas" decisivas para alguns ou vários partidos, grupos partidários ou parlamentares, corre o risco de ter contra si alianças importantes, imprevistas e evitáveis.
Digamos, apenas como exemplo, que a questão do monopólio do petróleo constitua prioridade negativa nº 1 de um determinado partido ou grupo de parlamentares (A) e a questão da estabilidade do funcionalismo tenha igual status para outro partido ou grupo de parlamentares (B).
Ambos, sozinhos, não teriam condições numéricas de impedir mudanças na conformação do monopólio e no instituto da estabilidade. Mas uma vez que as duas questões estejam em negociação simultânea, abre-se uma oportunidade imprevista: os membros de A, que seriam permeáveis quanto à questão da estabilidade, ajudam os membros de B a bloquear mudanças nesta questão, em troca da ajuda dos membros de B, que seriam permeáveis a mudanças no monopólio do petróleo, para bloquear mudanças na conformação deste, e vice-versa.
A probabilidade de alianças com base em "prioridades negativas" é tanto maior quanto maior o número de temas "inaceitáveis" para um ou mais partidos, grupos partidários ou de parlamentares.
Assim, não parece necessariamente pior uma estratégia que, identificados quais os temas "inaceitáveis" e para quem o são, procure minimizar os riscos de solidariedades negativas robustas, não sobrecarregando a agenda com vários temas tendentes a provocá-las.

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