São Paulo, domingo, 29 de janeiro de 1995
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Monumentos comunistas despertam saudosismo

Libération
De Paris

VERONIQUE SOULÉ
EM BUDAPESTE

Com os olhos brilhando, Akos Rethly passa em revista seu patrimônio: estátuas de Marx, Engels, Lênin e muitos outros.
A primeira vez que alguns húngaros idosos e saudosistas vieram depositar flores sobre um monumento à glória do movimento operário, o gerente do Parque das Estátuas (Szoborpark) de Budapeste não pôde impedir-se de zombar: "Os senhores são comunistas? Eu sou capitalista, portanto vamos pagando o ingresso, 50 forints (cerca de R$ 0,50) por pessoa".
Desde então Akos já se acostumou a ver passar essas pessoas que ainda vivem no passado e fala delas em tom quase carinhoso.
Em julho passado um ônibus inteiro desembarcou para comemorar o quinto aniversário da morte de Janos Kadar, antigo chefe do Partido Comunista húngaro.
"O que eu gosto nessas estátuas é que elas não impõem nenhuma atitude. Algumas pessoas se curvam diante delas, outras dão risada", diz Akos. Ele tem 31 anos e não sentiu na pele o trauma de 1956: a insurreição de Budapeste e a repressão dos tanques soviéticos.
Akos demonstra indiferença em relação a uma história que ele parece mal conhecer, como se nunca tivesse vivido atrás da Cortina de Ferro. Mentalidade representativa da geração jovem, aparentemente desmemoriada, descomplexada e vendo com desprezo os mais velhos, fechados num passado que têm dificuldade em assumir.
Akos estudou na Escola Normal e foi organizador de shows de rock. Quando, em novembro de 1993, ficou sabendo que o Szoborpark seria fechado, depois de ficar aberto apenas 40 dias, se candidatou a tomar conta do local.
"Foi um circo", recorda. "O parque é classificado como museu e segundo a lei um museu só pode pertencer ao Estado. Mas a administração do 22º distrito, encarregada do parque, não sabia o que fazer com ele. Então ela deu um jeito com a lei e eu aluguei."
Com suas 42 estátuas (memoriais à amizade húngaro-soviética, aos heróis do povo e às brigadas internacionais) repartidas por uma área de 16 mil m2, o Szoborpark é uma realização única.
Quando o reabriu, em março de 1994, Akos instalou uma autêntica vitrola dos anos 50 e alto-falantes da época que, posicionados acima das estátuas –que têm até dez metros de altura–, difundem discursos comunistas e marchas triunfais sobre a edificação do socialismo.
O ambiente é tão stalinista que dá arrepios. Um bar na entrada do parque oferece "coquetéis Molotov" feitos de vodca com limão.
Akos convidou várias agências de turismo para sua campanha de lançamento, mas elas preferem os circuitos tradicionais: noitadas de música cigana, visitas à Grande Planície. Ele também convidou escolas. Mas 50% dos visitantes recebidos em 1994 eram estrangeiros –diplomatas e turistas.
O ano de 1994 foi deficitário. Felizmente sua revista de rock, "Hello", com circulação de 35 mil exemplares, é lucrativa.
Depois da vitória dos socialistas (ex-comunistas) nas eleições de maio de 1994, seus amigos o aconselharam a fechar o parque.
"Vão recolocar as estátuas nos lugares antigos", lhe disseram. Mas Akos não acredita –e além disso já criou laços afetivos com suas estátuas, "desde que todas aqui, lado a lado, no parque".

Tradução de Clara Allain

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