São Paulo, domingo, 29 de janeiro de 1995
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Fumaça maldita

ANTONIO ERMÍRIO DE MORAES

Para o cirurgião cardíaco Adib Jatene, nada melhor do que a expansão do número de fumantes em nosso país. Afinal, o cigarro é um dos maiores responsáveis pela hipertensão, infarto e outras doenças cardiovasculares. É exatamente disso que ele vive ao operar centenas de corações adoecidos pelo tabaco, entre outras causas.
Mas para o ministro Adib Jatene, o combate ao fumo virou um ponto de honra. Ele conhece o sofrimento ocasionado pelo cigarro. E sabe também o quanto isso custa para a sociedade. Nos Estados Unidos, por exemplo, o tabagismo responde por 500 mil mortes por ano, que ocorrem depois de longos períodos de doença e tratamento oneroso. O mesmo acontece no Brasil, é claro, em escala menor.
O estrago do cigarro não para aí. Na verdade, a pessoa que fuma transfere para a sociedade uma série de outros custos. Além do governo arcar com as despesas de tratamento, as empresas pagam pelos dias não-trabalhados e os cidadãos são obrigados a pagar mais caro por seguros e impostos. Como diz Lester Brown, "as pessoas têm todo direito de fumar, mas não tem o direito de fazer a sociedade financiar o seu vício" (Lester Brown, Vital Signs, Londres: Earthscan Publications, 1994).
Por essa razão, os países avançados decidiram taxar alto e, com isso, elevar os preços dos cigarros para níveis estratosféricos –o que não ocorreu no Brasil, como ilustra a tabela abaixo:

Isso tem funcionado. Entre os jovens, para cada 10% de aumento de preço, há uma redução comprovada de 10% no hábito de fumar.
O cigarro na Noruega é doze vezes mais caro do que no Brasil, embora, segundo o critério do PPP (Purchasing Power Parity) calculado pela ONU, o custo de vida é apenas três vezes mais alto. Isso significa que o preço do nosso cigarro é muito baixo para quem deseja efetivamente combater esse vício. Um aumento de preço de 50% colocaria o Brasil no nível da Espanha –onde o cigarro ainda é muito barato– mas, reduziria o número de fumantes entre os jovens pela metade. Isso é muito importante, pois 90% dos fumantes começam a fumar antes dos 20 anos. É uma forma de se cortar o mal pela raiz.
No Brasil, o outro fator que contribui muito para a exacerbação do fumo é a propaganda –quase toda importada e carregada em sedução. Como o ministro da Saúde não pode mexer no preço do cigarro, ele decidiu fincar o pé na propaganda. Já é um grande passo e uma maneira eficiente de começarmos um controle sério de um vício que causa tanto sofrimento e impõe enormes dispêndios em uma nação onde as crianças morrem de infecção intestinal por falta de prevenção e por falta de alimentos num país que produz 75 milhões de toneladas de grãos. Isso é incrível.

Texto Anterior: Lula: o retorno
Próximo Texto: BROTHERS; INOCÊNCIA; AFLIÇÃO
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.