São Paulo, domingo, 29 de janeiro de 1995
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Constituição, reforma e política

MARCO MACIEL

É sempre necessário ter presente que, ao lado da consolidação do Plano Real e da desejada estabilidade econômica –indispensável ao desenvolvimento sustentado do país– se impõe a realização também de reformas no plano político. Insisto: embora se possa dizer estar sendo longa a transição, ainda não se exauriu a nossa agenda no território do institucional.
Nesse sentido, o presidente Fernando Henrique Cardoso, em pronunciamento após as mais recentes eleições, malgrado tenha considerado que "a democracia brasileira repousa em alicerces firmes", revelou estar atento à questão ao acrescentar que "seu travejamento institucional ainda demanda reparos".
Daí não se poder deixar de colocar na pauta das próximas reformas constitucionais, se pretendemos ter uma nação verdadeiramente democrática, desenvolvida e justa, item relativo às mudanças e aprimoramento dos sistemas eleitoral e partidário e do próprio sistema de governo.
Aliás, no plebiscito (abril/93), fez-se intensa luz para o tema e, a meu ver, ainda –e infelizmente– não operamos as modificações que constituíram o cerne da campanha vitoriosa do movimento republicano e presidencialista.
Com relação ao sistema eleitoral, há uma razoável convergência de opiniões na adoção do sistema misto, segundo o modelo alemão. Não só o presidente aludiu a essa questão, referindo-se a projeto de lei de sua autoria, quando senador. Em seu discurso de posse como presidente do Tribunal Superior Eleitoral, o ministro Carlos Mário da Silva Velloso mencionou este como um objetivo a enfrentar.
A adoção de um sistema misto, em que metade da representação na Câmara e nas Assembléias Legislativas é escolhida majoritariamente em cada distrito eleitoral e a outra metade, pelo sistema proporcional, através de listas fechadas apresentadas pelos partidos, é sem dúvida um avanço e uma transformação.
A proposta, por consequência, não pode deixar de ser apreciada no conjunto de mudanças para a modernização do sistema eleitoral. Apenas para exemplificar, vale lembrar que uma boa parte da estabilidade política do parlamentarismo alemão reside na adoção desse método. Ele por si só, contudo, não resolve o quebra-cabeças da "fragmentação partidária" a que se referiu o presidente Fernando Henrique Cardoso. A última reforma eleitoral italiana adotou um modelo ainda mais drástico que o alemão, sem superar esse problema.
As mudanças no sistema eleitoral, portanto, devem vir, entendo, acompanhadas de transformações no sistema partidário. A Lei Orgânica dos Partidos em vigor é a Lei 5.682, de 21 de julho de 1971, 17 anos anterior à Constituição em vigor. Ajustá-la aos preceitos constitucionais, ou aos que venham eventualmente a ser adotados no conjunto do aperfeiçoamento institucional, é, no mínimo, uma exigência legal, fundamental para a legitimação do sistema partidário.
O quadro partidário brasileiro dos últimos 15 anos, desde a reforma da Lei 6.767, no governo do ex-presidente Figueiredo, proposta pelo então ministro da Justiça Petrônio Portella, é extremamente móvel e fluido, tendo se caracterizado pelo princípio da cissiparidade, isto é, a divisão sucessiva de antigas legendas. Segundo os dados do presidente do TSE, eram 20 em junho de 1992, e já são 27 em 1994.
Além do mais, a lei brasileira estabelece uma distinção praticamente inédita no mundo: registro provisório e registro definitivo, categorias que, por sua vez, se dividem em registro provisório e registro provisório em andamento, e registro definitivo e registro definitivo em andamento.
Assinale-se como complemento, segundo observa o professor Giovani Sarton, em sua teoria política, que dos textos constitucionais modernos, apenas dois fazem referência aos partidos: A Lei Fundamental da Alemanha e a Constituição brasileira de 88. No primeiro caso, acrescenta esse autor, por razões históricas compreensíveis.
O sistema de governo, por sua vez, é outro capítulo das reformas políticas que têm de ser discutidas e pensadas. O presidente chamou a atenção para o que ele mesmo considerou ironia da história: o fato do primeiro presidente eleito depois da opção do país pelo presidencialismo ser parlamentarista convicto.
Não se trata, portanto, de discutir a modalidade de governo que o eleitorado, plebiscitariamente, já decidiu. Trata-se, ao contrário, de aprimorar a forma de governo que temos.
É preciso, antes de mais nada, encontrar modos de convivência que evitem os conflitos de Poderes que são inevitáveis em toda democracia. Convém, também, pensar, além do aperfeiçoamento do presidencialismo, no fortalecimento da Federação, instituição que nasceu juntamente com a República nos fins do século passado. É, sem dúvida, uma obra de engenharia política delicada e desafiadora, em que o papel do Legislativo é, como nos demais casos, essencial e insubstituível.
Estas considerações têm por objetivo deixar claro que o Brasil, finalmente, tem um projeto político para o futuro. Dispõe de rumos precisos para enfrentar o desafio da modernidade e a intensa competição a que seremos submetidos, na primeira década do próximo século, quando estiverem criados e em funcionamento os blocos de integração econômica com os quais estamos comprometidos: o Mercosul, o ALCSA e a ampliação do Nafta, segundo o acordo continental de Miami.
Seria equivocado acreditar que poderemos superar nossas deficiências e fragilidades, operando apenas mudanças econômicas e transformações sociais. O consenso político é o grande desafio dos nossos tempos e, por consequência, o maior desafio do próximo governo.
A sociedade brasileira entendeu e avalizou essa concepção ao optar, de forma majoritária, pelas propostas do programa de Fernando Henrique Cardoso. Cabe agora, à representação popular, escolhida no mesmo pleito, engajar-se nessa luta e sancionar o que é, sem dúvida, a maior aspiração nacional do presente.

Texto Anterior: BROTHERS; INOCÊNCIA; AFLIÇÃO
Próximo Texto: Governar é construir
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.