São Paulo, domingo, 29 de janeiro de 1995
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Governar é construir

LUIZ ANTONIO FLEURY FILHO

Já se tornou uma triste praxe para os partidos de oposição, quando assumem o poder, pintar quadros catastróficos da gestão anterior. Trata-se de ritual que acontece de norte a sul do país. Quem tem experiência sabe o crédito que merece esse tipo de marketing político, empregado atualmente em São Paulo com intensidade extraordinária.
Mas não se dirige um Estado do alto de um palanque, governar não é destruir o que foi feito e bem feito pelo governo anterior com aprovação popular.
Pessoalmente, nunca agi nem agiria desta forma. Não me ocorreria, por exemplo, aceitar de cabeça baixa e sem protesto a intervenção no Banespa, orgulho e força dos paulistas, instrumento de nossa política econômica.
Da mesma forma, mesmo que me interessasse politicamente, nunca teria o sangue frio de atrasar o pagamento do funcionalismo. Nem me sentiria capaz de semear a intranquilidade nas famílias de milhares de trabalhadores, ameaçando despedi-los sumariamente todas as segundas, quartas e sextas-feiras, para voltar atrás às terças e quintas.
Nunca permitiria, enfim, uma campanha de desprestígio das principais estatais, que mostrou de imediato o seu caráter nocivo. Durante a minha gestão, as ações da Companhia Energética de São Paulo passaram de R$ 0,15 para R$ 1,70. Bastaram a posse do novo governo e as notícias precipitadamente divulgadas para derrubá-las.
Vamos agora aos fatos, que divergem frontalmente de versões divulgadas nos últimos dias. Comecemos pelas dívidas do Estado junto ao Banespa, suposto motivo da intervenção. Que fique claro de uma vez por todas: o total das novas dívidas contraídas pelo meu governo junto ao Banespa e Nossa Caixa foi igual a zero. Repito, igual a zero –literalmente. Não aumentamos em um único centavo a dívida de US$ 8 bilhões herdada de outros governos. Ao contrário, pagamos US$ 1,3 bilhão, em dinheiro ou em imóveis.
De maneira geral, não fizemos novas dívidas junto a quaisquer fontes de crédito, exceto para o pagamento de precatórias judiciais, exigência constitucional, ou junto a organismos financeiros internacionais para projetos como o de despoluição do Tietê.
Se o montante da dívida do Estado cresceu, isto se deve aos juros extorsivos, monitorados pelo governo federal, sobre as dívidas que já existiam quando assumi o governo. Não encontrei boa vontade nem política coerente de negociação por parte dos dois presidentes da República, cinco presidentes do Banco Central e oito ministros da Fazenda.
Em todo caso, não se poderá alegar falta de recursos para prosseguir obras fundamentais. Como todos sabem, o ICMS, principal fonte de recursos do Estado, evolui com a situação econômica. Assumi o governo em 1991, já em plena crise, com o montante do ICMS na casa dos US$ 750 milhões mensais. Governei com a crise agravada e com um ICMS em queda persistente.
Nos últimos meses de 94, a situação se inverteu graças ao plano de estabilização e ao combate sistemático contra a sonegação de impostos. Em agosto último, o ICMS paulista ultrapassou US$ 1 bilhão e em dezembro US$ 1,2 bilhão.
Em termos claros, isso significa que o novo governador recebeu de minhas mãos um Estado em condições financeiras muito mais favoráveis do que as que encontrei. Nos anos de crise, conseguimos, para citarmos alguns exemplos, construir quase 200 mil casas populares, criamos 1.614 escolas-padrão, desenvolvemos o Programa Permanente de Prevenção ao Uso de Drogas, reconhecido como modelo pela ONU, iniciamos a despoluição do rio Tietê e da represa de Guarapiranga, das praias da Baixada Santista, criamos o tíquete do leite, beneficiando mais de 500 mil famílias por dia, reduzimos a mortalidade infantil de 31 para 25 crianças por 1.000 nascidas, instituímos o Fórum Paulista de Desenvolvimento, responsável pela criação de 100 mil empregos, construímos a rodovia Carvalho Pinto.
Através da Cesp, colocamos em funcionamento dez novas turbinas, retomando obras nas hidrelétricas praticamente paralisadas há quase 15 anos. No fundo do poço, em fevereiro de 1993, quando o ICMS não alcançou US$ 500 milhões, pagamos o funcionalismo em dia. Não vejo, agora, como se poderia alegar falta de dinheiro como desculpa para atrasar salários e cruzar os braços.
Felizmente, de todos os lados começam a chegar sinais de uma volta ao bom senso e à realidade. Secretários de Estado já reconhecem que os funcionários contratados são, na sua imensa maioria, pessoas trabalhadoras e competentes. Os ditos "fantasmas" acordam cedo e trabalham duro, cuidam dos menores da Febem, guardam as portas das escolas, ensinam nas escolinhas de esportes, protegem os museus, animam os teatros, as oficinas culturais, tocam na Sinfônica Estadual, defendem o público no Procon. Merecem respeito.
Tenho certeza de que, passado esse primeiro momento de pessimismo e desânimo, o novo governo vai recobrar coragem. Só precisa parar com a choradeira e desarmar o palanque. Na pior crise que já sofremos, São Paulo não parou. Hoje, com o aumento da arrecadação e o aquecimento da economia, não pode parar. Não se governa em clima de rancor e ódio, sentimentos estranhos ao espírito dos paulistas. Governar não é olhar para trás, é olhar para a frente. Governar é construir.

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