São Paulo, domingo, 29 de janeiro de 1995
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Rushdie de batom

–Como é viver na Suécia, na condição de exilada?
–Esta não é uma vida permanente, não sei por quanto tempo vou ficar aqui. Tenho convites para visitar outros países. Estou tentando escrever, minha ocupação principal é escrever. Gosto de conhecer gente nova, me sinto segura aqui, posso sair na rua. Tudo isso é novidade para mim. Em Bangladesh, eu não podia ir ao cinema, ao teatro, a uma feira de livros; não podia sair na rua ou ir a qualquer lugar público.
–Você tem problemas com os fundamentalistas muçulmanos desde 1991. O que aconteceu depois de ter sido jurada de morte, em junho do ano passado?
–Os fundamentalistas já tinham formado esquadrões espaciais para me matar, eu não podia ir a lugar nenhum. Quando anunciaram publicamente que iam me matar, fiquei escondida durante 60 dias. Foi uma experiência terrível. Estive em diferentes lugares, apertados, onde não conseguia comida de maneira regular e não conseguia dormir. Quando queria fechar os olhos, sempre ouvia o cântico dos fundamentalistas: "Matem Taslima". Pensava que o meu país ia me matar e que iam matar todas as pessoas progressistas.
–A situação política de Bangladesh piorou muito desde que o Estado foi criado, em 1971. O integralismo avança. A situação da mulher também piorou?
–Há muitas organizações não-governamentais que estão tentando melhorar a situação da mulher: criam empregos e constroem escolas para meninas. Os fundamentalistas tentam deter este desenvolvimento, proclamam que as mulheres não devem ir à escola, que devem ficar em casa, que não devem trabalhar... Mas a situação da mulher melhorou em relação à geração da minha mãe. E é por isso que os fundamentalistas estão tão agressivos. O pior de tudo é que eles estão ficando cada vez mais fortes, conseguindo dinheiro dos países muçulmanos ricos. Querem fazer Bangladesh retroceder à época medieval e deter o desenvovimento da mulher. Isso porque as mulheres do meu país começam a acordar, ganhar dinheiro, se unir.
–Há muitas mulheres como você em Bangladesh, feministas, escritoras, comprometidas publicamente com o progresso?
–Não, não há nenhuma outra.
–Em discurso no Parlamento de Escritores de Lisboa, você disse que é uma viajante solitária. Deve ser muito difícil.
–Sim, eu me sinto só. As pessoas não se atrevem a apoiar estas idéias, mesmo que concordem comigo.
–Como foi publicar "Lajja", um livro tão claramente agressivo aos muçulmanos?
–Quando eu escrevo, não penso nos problemas que isso pode acarretar. Simplesmente penso que sou uma escritora e um ser humano, com a responsabilidade de fazer algo pelo bem-estar da minha sociedade. Faço o que quero sem pensar nas consequências. Querem me deter, querem tirar a caneta das minhas mãos, mas eu creio que devo dizer a verdade nos meus escritos, e sempre o faço. Escrevo contra todos os tipos de injustiças. E acredito que a verdade triunfará algum dia.
–Nunca teve medo?
–Não. Quando me escondi, atendi um conselho de meu advogado. O governo tinha expedido um mandado de busca e prisão contra mim. Se tivessem me prendido, eu teria sido presa fácil dos integralistas: qualquer policial fanático ou outro prisioneiro poderia ter me matado. Mas não me escondi por medo.
–Você disse que naqueles 60 dias de clandestinidade perdeu por completo a esperança de viver.
–É verdade. Estava completamente convencida de que iam me matar. Mas eu não me preocupava com a minha vida, e sim com o que estavam fazendo com Bangladesh. Já queriam me matar desde 1991 e eu ainda estou viva. Do ponto de vista pessoal, ter sobrevivido por quatro anos já me parecia suficiente. De qualquer jeito, algum dia em vou morrer.
–Você está escrevendo agora?
–Estou tentando, mas não tenho tido muito tempo. Agora que eu consegui um computador.

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