São Paulo, terça-feira, 31 de janeiro de 1995
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Jordi Savall traz música antiga hispânica

IRINEU FRANCO PERPETUO
ESPECIAL PARA A FOLHA

O maestro e gambista catalão Jordi Savall, 53, que se apresentará no Brasil em agosto, estuda música antiga desde 1966. Em 1974, fundou, com sua mulher, a soprano Montserrat Figueras, o conjunto Hespèrion XX, dedicado a recuperar a música européia e, principalmente, hispânica, anterior a 1800.
Passou a trabalhar com compositores como Marin Marais, Saint-Colombe e Soler. A consagração veio em 1991, com a trilha sonora do filme "Todas as Manhãs do Mundo", de Alain Corneau, vencedora do César, o Oscar do cinema francês.
Gravou a Sinfonia nº 3 ("Eroica"), de Beethoven, em disco a ser lançado em outubro. Outros lançamentos próximos incluem as "Fantasias", de Purcell, e o livro oitavo dos "Madrigali Guerrieri e Amorosi", de Monteverdi. Como solista, seu próximo lançamento em disco vai às origens da música para instrumento de arco, a música árabe-andaluza do século 12.
Atualmente está trabalhando na produção da ópera "Il Furto del Buon Cuore", a primeira do compositor espanhol Vicente Martín I Soler. O libreto, de Lorenzo da Ponte, é baseado em Goldoni. Estréia em 8 de fevereiro, em Montpellier (França).
Em entrevista exclusiva concedida à Folha, de Barcelona, Savall fala de sua vinda a São Paulo, onde se apresentará no Cultura Artística em agosto, e da experiência com o cinema.

Folha - O sr. estará no Brasil em agosto com o Hespèrion XX. Quais as diferenças entre este e seus outros dois conjuntos, La Capella Real de Catalunya e Le Concert des Nations?
Jordi Savall - As principais diferenças são de tipos de instrumentos e de grupo. O Hespèrion XX é um grupo que faz basicamente música instrumental com um cantor. La Capella Real é um conjunto de vozes formado por de seis a 30 cantores. Le Concert des Nations é a orquestra de instrumentos de época, capaz de fazer um repertório que vai do século 17 a Beethoven e Schubert.
Folha - O que o sr. vai tocar no Brasil?
Savall - Um programa com músicas em torno de grandes escritores como Cervantes e Lope de Vega, da época que se conheceu como o "Século de Ouro" na Espanha. É música dos séculos 15, 16 e 17, com voz e conjunto de instrumentos bem variados.
Folha - O Brasil e outros países latino-americanos tiveram uma música rica no século 18. O sr. pretende interpretá-la?
Savall - É uma música cheia de elementos ricos na tradição folclórica destes países e inspirada na música barroca hispânica, num contato muito interessante com a Europa. Há todo um âmbito a descobrir neste campo. Neste momento, não entra em meus planos imediatos tocar esta música.
A música vocal é melhor interpretada quando as pessoas que a cantam pertencem à cultura local, pois a voz cantada deriva da voz falada. Um cantor brasileiro, cantando sua música, chegará muito mais longe que um cantor europeu tentando cantar esta música.
Folha - Maestros que começaram na música barroca, como Gardiner, Hogwood, Harnoncourt e agora o sr., passaram por Mozart e Haydn e agora estão em Beethoven. Por quê?
Savall - É normal que uma orquestra de qualidade faça uma evolução e se proponha a desenvolver o conhecimento de um repertório que é absolutamente básico para uma orquestra.
Folha - Mas fazer Beethoven com instrumentos de época não seria inadequado às intenções originais do compositor, já que ele estava sempre procurando novos instrumentos?
Savall - Beethoven pedia aos instrumentos de seu tempo coisas muito difíceis. Num circo, um malabarista, quando faz números nas alturas, transmite muito mais emoção quando atua sem rede. Tocar Beethoven com instrumentos de época é como atuar sem rede. Todos os músicos têm que colocar toda sua alma, senão não sai.
A emoção vem do quanto se arrisca o músico. Com uma flauta ou um oboé da época de Beethoven, quando vão a tonalidades distantes da original, a afinação é muito mais difícil, porque não estamos com instrumentos temperados. São instrumentos que têm os problemas de afinação natural. Mas uma boa orquestra com instrumentos de nossa época e um bom maestro podem, também, fazer um Beethoven maravilhoso. A utilização de instrumentos antigos não é nenhuma garantia.
Folha - Eles não garantem uma fidelidade maior às intenções dos compositores?
Savall - Os instrumentos de época garantem uma fidelidade maior à cor, ao timbre que o compositor imaginava e, muitas vezes, um maior equilíbrio. Em Beethoven, por exemplo, as cordas se equilibram melhor com os sopros, porque os sopros não são tão pesados. E também os timbres. A madeira é madeira, o metal é metal. Cada um tem sua definição.

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