São Paulo, terça-feira, 31 de janeiro de 1995
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O caleidoscópio das visões subjetivas

LUIZ OLAVO BAPTISTA

A complexidade e diversificação social, econômica e política do Brasil são notórias. Tantas facetas permitem às pessoas focalizar os mesmos problemas sob ângulos diferentes.
Às vezes essas diferenças decorrem de visões subjetivas de boa-fé, como a do professor Ricardo Seitenfus, outras de comportamentos interessados, que não merecem identificação nem comentários. A realidade objetiva, entretanto, permanece a mesma, oferecendo nos seus detalhes o ponto de partida para o raciocínio de uns e outros, mas incapaz de afetar as conclusões.
No seu artigo "O Brasil na casa dos espelhos" (26/01), meu amigo Ricardo investiu contra a diplomacia brasileira, personificando-a em dois diplomatas. Antes de comentar sua crítica da ação da diplomacia brasileira, permito-me divergir do juízo que faz sobre aqueles que menciona.
Um dos embaixadores criticados é Paulo Tarso Flecha de Lima. Seitenfus qualificou-o como símbolo da diplomacia tradicional e reconheceu sua brilhante carreira, como aliás o faz a maioria dos que se interessam pelas relações internacionais. Nisso, observou a realidade objetiva. Mas enveredou para o subjetivo quando o qualificou como "péssimo representante da sociedade civil".
Trata-se de um julgamento baseado em critérios puramente pessoais, que respeito por virem de quem vem, mas do qual discordo, e nessa divergência sei que estou com muitas pessoas –como eu, integrantes da sociedade civil.
Foi o embaixador Paulo Tarso quem, pela primeira vez no âmbito das relações econômicas internacionais, abriu as portas do Itamaraty para amplos e públicos debates sobre problemas de interesse do país, prática que manteve enquanto secretário-geral do Ministério das Relações Exteriores.
Foi ele também que, com autêntica e eficaz preocupação pelos direitos humanos, foi ao Iraque libertar os brasileiros que lá haviam quedado como reféns. Agiu em vez de discutir.
O outro é o embaixador Rubens Ricupero, que, quando representou o Brasil junto aos organismos internacionais em Genebra (Suíça), atuou com seriedade e competência na defesa dos direitos humanos. Como ministro do Meio Ambiente e da Amazônia Legal, também deixou clara a sua marca em medidas efetivas na defesa do meio ambiente e dos direitos das pessoas.
É fato que há violações de direitos humanos no Brasil. E, também, que essas não são de hoje; são a herança que os portugueses nos deixaram, desde o genocídio dos índios até a introdução dos escravos africanos. Mas é fato que essas violações dos direitos humanos, que existem há séculos, também decorrem hoje da situação de miséria das pessoas, e que se agravaram pela desestruturação do Estado iniciada no regime militar e culminada na era Collor.
Sabemos, ainda, que durante os governos Costa e Silva e Médici foi política do Estado a prática das torturas e assassinatos contra os opositores do regime, e que essa política não existe mais.
Aqui não há mais abusos do que em outros países e, os que existem, são reprimidos com a eficiência de que dispõe o Executivo, o Judiciário e o Ministério Público, eficiência esta à altura de nosso subdesenvolvimento.
Não será exagerando uma realidade por si mesma triste, ou inventando mazelas que não temos, ou apimentando as falhas que existem, por meio de frases vagas e acusações genéricas –como fazem alguns– que se construirá uma política de respeito aos direitos humanos.
Só há respeito onde há verdade e coragem de "dar nome aos bois". Estas mostram a dimensão real dos fatos e permitem corrigir os erros.
Para que as pessoas possam ter direitos é preciso que tenham com o que sobreviver e que haja a possibilidade de um emprego. É necessário dar ao Estado mais recursos para cumprir sua missão. É urgente buscar a retomada do crescimento econômico acelerado.
Para isso uma peça fundamental é a diplomacia –que inclui não só os aspectos do comércio exterior como os dos investimentos e das normas que regerão as trocas entre as nações.
Se sem dúvida precisamos de diplomatas que se ocupem de cuidar da problemática dos direitos humanos nos foros internacionais –e os temos–, também temos necessidade daqueles que cuidam dos interesses comerciais e econômicos do país.
Política externa hoje –é a crença de muitos, entre os quais me incluo– não se resume aos temas antigos da amizade entre as nações, dos acordos culturais, ou à temática sempre presente do desarmamento e dos direitos humanos.
Inclui, sem sobra de dúvida, como componente central do interesse do país, o desenvolvimento sustentado, o respeito ao meio ambiente e os aspectos comerciais.
É importante objetivo da diplomacia, como disse em seu belo discurso de posse, o chanceler Luiz Felipe Lampreia, "ampliar a base externa para consolidação da estabilidade econômica e a retomada do desenvolvimento em forma sustentável e socialmente equitativa", assim como "a preeminência, também no cenário internacional, de valores caros ao povo brasileiro como a democracia, as liberdades individuais e o respeito aos direitos humanos".
A diversidade e a complexidade, não só do Brasil como dos tempos em que vivemos, impõe uma gama ampla de ações por parte de nossos diplomatas, inclusive exigir o respeito à objetividade e à verdade quando se falar do que aqui ocorre.
É essa a realidade objetiva que precisamos destacar para completar o caleidoscópio das visões subjetivas.

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