São Paulo, terça-feira, 31 de janeiro de 1995
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

A missão da imprensa

ROBERTO MUYLAERT

Após alguns anos de sobressaltos e emoções fortes no governo federal, é natural que uma menor dosagem de adrenalina no sangue traga uma sensação diferente ao jornalista que deve levar a notícia todo dia à sua redação.
"A melhor surpresa é a não-surpresa", diz o slogan de uma cadeia de hotéis norte-americana que cobra fidelidade de seus clientes.
Na administração pública, mal comparando, pode-se aplicar o mesmo mote, em benefício da população.
Um governo que passe serenidade à nação tem um incomensurável valor como elemento de precondição para a realização das tarefas a que se propõe. A partir daí indaga-se que imagem de si mesmo deveria o novo governo refletir.
A resposta já é conhecida, desde o tempo em que o presidente Fernando Henrique Cardoso estava no Ministério da Fazenda: a imagem é de transparência, verdade e de garantia de que os assuntos serão amplamente debatidos.
Por outro lado, o governo terá também a imagem dos seus próprios projetos de reformas estruturais. Eles vão mexer fundo nos problemas que há anos impedem que se diminuam as injustiças sociais de um país cheio de riquezas.
Embora seja esta a missão precípua de qualquer governo, esses problemas ainda não foram atacados de frente em todos esses anos, porque mexem com interesses que vêm de longa data, difíceis de enfrentar, além de pressupor, por parte do Executivo, uma grande vontade e capacidade de articulação política, capaz de se opor às resistências que esse tipo de reformas naturalmente desperta.
Alguns desses projetos começam a vir a público como propostas a ser amplamente discutidas, como resultado da maturação dos assuntos por um grupo de ministros trabalhando em conjunto, mais um fator essencial para que as coisas aconteçam, em qualquer governo.
Nesse perfil se enquadra a apresentação das propostas preliminares para a reforma da Constituição de 88, excessivamente detalhista, e com dispositivos superados pelos fatos supervenientes. Basta lembrar que a queda do Muro de Berlim, que alterou o equilíbrio mundial, ocorreu apenas um ano após a sua promulgação.
Assim, o Congresso Nacional poderá nos dar uma Constituição melhorada, em que será suficiente fixar as regras do jogo, sem ser necessário estabelecer também o resultado da partida: deixar à legislação ordinária o que puder ser desconstitucionalizado.
Dessa forma será possível, entre outras coisas, aperfeiçoar o sistema tributário, acabar com o déficit orçamentário, e manter a estabilidade da moeda, o que elimina o mais injusto imposto que recai sobre a população, especialmente a mais pobre: a inflação.
O Congresso poderá flexibilizar também a estabilidade de funcionários públicos, naquilo que ela representa de mais retrógado e nocivo: a falta de empenho, a complacência e a impunidade.
Outros pontos a ser reformados envolvem mais problemas crônicos, como a cobrança efetiva do desempenho das estatais. Ou o desarmamento da bomba-relógio em que se transformou a nossa previdência –mantidos os direitos adquiridos–, onde em pouco mais de uma década passamos de 8 milhões para 16 milhões de pensionistas, com muitos privilegiados que não incluem a grande massa trabalhadora.
Fora da proposta de reforma constitucional vem o empenho real do governo federal, por exemplo, na área educacional, como estará mostrando o presidente da República daqui a alguns dias, dando a aula inaugural numa escola de ensino básico no interior do país, prestigiando os abnegados professores e sinalizando para as mudanças de que o país necessita.
O trabalho de comunicar esses projetos, alguns bastante complexos, para o pleno entendimento da sociedade, é basicamente da imprensa, na sua missão de mobilizar a população em direção aos objetivos claros de melhoria e estabilização do país.
Precisamos de um Brasil menos emocionante e mais amadurecido, onde algumas coberturas sensacionais possam ser substituídas por matérias mais analíticas, profundas e pesquisadas –e portanto mais difíceis de fazer–, levando em conta a importância e o alcance dos assuntos que começam a ser tocados.
Nesse sentido o governo tem poder de fogo muito pequeno, comparado com a dimensão dos temas que a população precisa conhecer em detalhes. São alguns minutos diários gratuitos na televisão para a veiculação de mensagens institucionais.
A verdadeira batalha da boa informação, como já ocorreu no passado, será vencida mais uma vez pela imprensa responsável.

Texto Anterior: VIA DEMOCRÁTICA; DESDE CAMINHA; OPOSIÇÃO PRA QUÊ?; POLÍTICA CULTURAL
Próximo Texto: O caleidoscópio das visões subjetivas
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.