São Paulo, terça-feira, 31 de janeiro de 1995
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Einstein, Peru e Equador

HÉLIO SCHWARTSMAN

Definitivamente, as pessoas não gostam de seus vizinhos. Prova-o a estúpida guerra travada entre peruanos e equatorianos. Não é propriamente uma novidade. A maioria dos povos gosta de troçar de seus vizinhos (sobretudo os mais próximos) ou, nos casos mais extremos, de esmagá-los. Esse atávico preconceito dos homens contra seus vizinhos aparece com clareza nos idiomas.
Os gregos, por exemplo, se referiam aos estrangeiros em geral como "bárbaroi" (bárbaros). No princípio, a palavra designava aqueles que não falavam a língua grega. Suspeita-se, poeticamente, de que tenha origem numa onomatopéia que procurava descrever o canto dos pássaros: belo, mas ininteligível. Não durou muito. Logo "bárbaros" passou a significar também "selvagem", "grosseiro".
Já os pobres beócios, povo grego, mas que falava um dialeto um pouco diferente do ateniense, tinham, em Atenas, a fama de ser curtos de inteligência. Seu nome, em ateniense "Boiótios", passou a ser sinônimo de "ignorante". Mesmo hoje, passados mais de 2.000 anos da primeira utilização pejorativa, "beócio" continua significando "obtuso", mesmo em português, língua que nem tinha sido inventada ainda.
Foi um outro preconceito ateniense, desta vez contra os capadócios, povo da Ásia Menor reputado como um bando de velhacos, que fez com que até hoje a palavra "capadócio" designe "trapaceiro". Como dizia Einstein, é mais fácil quebrar um átomo do que um preconceito.
É bem verdade que os gregos levaram o troco, quase 25 séculos depois. O termo pejorativo "gringo" possivelmente se origina da expressão espanhola platina "hablar en griego".
Há ainda o caso bastante curioso dos eslavos. Acredita-se que a palavra tenha origem na raiz eslava "slav", que significaria "glória". Os bizantinos, quando tentavam pronunciar o nome desse povo exótico, diziam "sklábos", que passou para o latim como "sclavus". E tudo correu bem até o século 8 ou 9 de nossa era. Nessa ocasião, Carlos Magno capturou um monte de guerreiros eslavos e os tornou cativos. Desde então a palavra latina "sclavus" passou a designar o que em português se tornou "escravo". Talvez seja daí que se forjou a expressão "reduzido da glória à escravidão".
É claro que xingar os vizinhos não é um hábito muito bonito. Mas é bem mais saudável do que atirar neles. Assim, proponho que os presidentes Fujimori e Durán-Ballen baixem decretos determinando que, no Peru, a palavra "ecuatoriano" passe a designar "pirata" e, no Equador", "peruano" venha a ser sinônimo de "ladrão". A partir daí, todos os soldados voltam para suas casas com suas armas e sempre que quiserem vão à fronteira e gritem "ecuatoriano" ou "peruano". Uns acharão que estão lançando impropérios e os outros acharão que estão sendo cordialmente cumprimentados. Seria mais sensato.

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